quinta-feira, 16 de novembro de 2017

UM PÉ DE SONHO



Sorvendo uma cerveja, sozinho, num quiosque plantado nas alvas areias da praia do Mucuripe, um jovem vê surgir do nada um papel na mão de uma dama. Era um teste de gravidez - Gravindex - positivo. Findou, de pronto, aquele solitário luau ouvindo estrelas. A felicidade batera à porta daquele casal. O jovem lívido, com a vista borrada e engolindo o choro, rabiscou num guardanapo de papel um simples bilhete, ditado pelo coração e endereçado a uma menina- fada.

Quem afiançava que se tratava, de fato, de um bebê do sexo feminino?

O amor, simplesmente, um incomensurável amor!

Quando o boêmio desta história completou sessenta anos, recebeu de presente um quadro onde se encontrava aquele mimo de garranchos esculpidos num guardanapo de papel e meio amarelado pelo rigor do tempo. Era um reencontro com um passado feliz e verdadeiro:

“Querida filha, como uma pura epifania você surge em nossas existências, minha e de sua mãe. É o milagre da vida, a certeza de que, quando ao pó seus pais retornarem, sua luz votiva manterá o fio da vida em nós e por nós. A partir de agora, aí no aconchego morno do ventre de sua mãe, todos os dias serão seus. Não irás chegar ao mundo sob minhas mãos, como eu gostaria que fosse, mas estarei presente na sala de parto, banhado em lágrimas puras e verdadeiras. Todos os folguedos da infância estarão ao seu dispor: Chicote queimado, Macaca, Pega-pega e muitas bonecas, certamente. Viajaremos em muitos mundos de fantasia num verdadeiro mar de livros. Um dia vai desabrochar numa bela manhã de sol, sua adolescência e novamente, juntos estaremos desfrutando um turbilhão de novos saberes. Livremente irás escolher sua profissão como uma demanda de seu nobre coração. O mundo será seu e a felicidade baterá suavemente à sua porta. E, claro, sempre juntos estaremos em toda e qualquer circunstância.

 Com ansiedade lhe aguardamos. Um beijo carinhoso de seus pais e boa viagem a este maravilhoso mundo!”


Ao longo da jornada, pelo menos, duas músicas marcaram nossos bons momentos vividos em harmonia familiar: “O Caderno” de Toquinho e Vinícius de Moraes; e “Tocando em Frente” de Almir Sater:


“Sou eu que vou seguir você/do primeiro rabisco até o bê-á-bá/em todos os desenhos coloridos vou estar/a casa, a montanha, duas nuvens no céu/e um sol a sorrir no papel/sou eu que vou ser seu colega/seus problemas ajudar a resolver/lhe acompanhar nas provas bimestrais, você vai ver/serei de você confidente fiel/se seu pranto molhar meu papel/sou eu que vou ser seu amigo/vou lhe dar abrigo, se você quiser/quando surgirem seus primeiros raios de mulher/a vida se abrirá num feroz carrossel/e você vai rasgar meu papel/o que está escrito em mim/comigo ficará guardado, se lhe dá prazer/a vida segue sempre em frente, o que se há de fazer/só peço a você um favor, se puder/não me esqueça num canto qualquer”


“Ando devagar/porque já tive pressa/e levo esse sorriso/porque já chorei demais/hoje me sinto mais forte/mais feliz, quem sabe/só levo a certeza/de que muito pouco sei/ou nada sei/conhecer as manhas e as manhãs/o sabor das massas/ e das maçãs/é preciso amor/para poder pulsar/é preciso paz para poder sorrir/é preciso chuva para florir/penso que cumprir a vida/seja simplesmente/compreender a marcha/e ir tocando em frente/como um velho boiadeiro/levando a boiada/eu vou tocando os dias/pela longa estrada, eu vou/estrada , eu sou/todo mundo ama, um dia/todo mundo chora/um dia a gente chega/ e noutro vai embora/cada um de nós compõe a sua história/cada ser em si/carrega o dom de ser capaz/de ser feliz/”


Ponto final!




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