O VELHO GUERRILHEIRO
OU
ENSAIOS  PARA  O 16 DE AGOSTO 
O fusquinha  azul – calcinha , modelo 73 , foi , gentilmente , convidado a parar no acostamento por uma blitz relâmpago  da Polícia Militar , bem próximo a Arena Castelão  . Para o  senhor de idade  ao guidom , com a barba por fazer  e obeso ,  foi exigido  uma explicação , antes mesmo da apresentação dos documentos , sobre a arma encontrada sobre o banco , caindo aos pedaços ,  do passageiro  .  Tratava – se de um inocente  estilingue ,  baladeira ou bodoque   . Uma típica  arma de moleques travessos  .
 “ – Ah , é pro meu neto caçar calangos nos muros “ , respondeu o idoso  guerrilheiro .
 “ – Passa a sacola suspeita aí , meu velho “ , verberou o soldado de  corpo marombado , pejado de tatuagens de dragões e com  um bafo pouco agradável .
 “ – Não é nada de mais . São balas de café para distribuir com a  moçada da Praça Portugal , no dia 16 de agosto  . Cada uma delas traz um nome , lembrando uma  mensagem  : educação , saúde para todos ,habitação digna , humildade , amor ao próximo , retidão de caráter , cidadania , chega de corrupção ,  não desistir nunca ,....  e por aí vai “ . 
O soldado guardou  , rápido , as balas no bolso , pra saborear mais tarde , a fim de  esconder o bafo da caninha ,  e devolveu , num sopapo grotesco  a mochila ao velho .
 “ – Cai fora , vovô , e  agradeça a Deus , que hoje eu acordei com o coração mole , caso contrário , o distinto ia levar umas boas bolachas pra casa e , ainda de quebra , um olho roxo e fechado “ .
O fusquinha desapareceu sacolejando  e fagueiro , imitando uma Maria – Fumaça  .  No sinal  próximo , o velho vasculhou a sacola e deu de cara com  uma só bala restante . Estava lá  escrita a cabulosa mensagem  : “ Esperança “ . Que  coisa ! . 
Era a  própria Caixa de Pandora Pai D’égua , oriunda  aqui do Ceará . O velho  , ainda , titubeou em voltar ao  tal soldado marrento para mostrar o troféu supimpa  que  lhe restara  . Desistiu  e fez bem  .  Não valia a pena cutucar a onça braba com vara curta  .  Partiu saboreando a “  bala  da esperança “ ,   a última que morre , e  cantando o amor febril , graças a um Chico , aquele de antigamente , que rolava na rádio AM .
“ Agora eu era o herói 
E o meu cavalo só falava inglês 
A noiva do caubói 
Era você além das outras três 
Eu enfrentava os batalhões 
Os alemães e seus canhões 
Guardava o meu bodoque 
E ensaiava o rock para as matinês
Agora eu era o rei 
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei 
A gente era obrigado  a ser feliz 
E você era a princesa que eu fiz coroar 
E era tão linda de se admirar 
Que andava nua pelo meu país 
Não  ,  não  fuja não 
Finja que agora eu era o seu brinquedo 
Eu era o seu pião 
O seu bicho preferido 
Vem  , me dê a mão 
 A gente agora já não tinha medo 
No tempo da maldade acho que gente nem tinha nascido
Agora era fatal 
Que o faz- de- conta terminasse assim 
Pra lá deste quintal 
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu do mundo sem me avisar 
E agora eu era um louco a perguntar 
O que é que a vida vai fazer de mim? “
 “João e Maria “  .  Chico Buarque de Holanda 

 
Com essa, tive a segurança de esperar a publicação do "Um Mar de Saudades - Volume 02". Alegra nosso dia ter esses sopros literários para saborear (principalmente hoje, que é domingo, dia de nada-fazer e bem viver).
ResponderExcluirObrigado pela mensagem , caro amigo, e , pelo estímulo! .
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