domingo, 7 de março de 2021

 Domingo de manhã em Fortaleza, e o sol ainda não se aluiu de seu dourado berço. Caso dê o ar da graça, fique certo , tomará uma gostosa vaia. As serras que emolduram a loira desposada do sol, ao longe, foram engolidas pela chuva milagrosa que banha nossas almas.

"A lagoa está que é uma beleza!
A chuva de Janeiro lhe deu alento,
Às margens , mulheres de saias arregaçadas,
Vão lavando as roupas
Das casas mais abastadas.
O coradouro se agita :
Quanta falta de pudor !
Combinações com cuecas
Porta - seios com coletes !
Blusas de ganga encarnada,
Saias de chita lavrada ,
Bandeiras de todas as Nações...
E as lavadeiras , esfregando,
Vão cantando e cachimbando,
Mostrando as pernas queimadas
E os seios murchos,
Chupados , dependurados
Como frutos já picados
Que nem morcego quer mais.
Ao longe, limpo e vaidoso,
Isolado do casario pobre,
O Matadouro Modelo
Onde os ricaços felizes,
Por processos moderníssimos,
Matam o gado e esfolam o povo.
Paira no ar um perfume de mato,
Um cheiro de areia molhada ...
O sol caiu na lagoa !
Molecotes barulhentos ,
De corpos nus , reluzentes,
Mergulham de vez em quando,
Batendo nas águas sujas,
Numa alegria invejável.
Que beleza de paisagem !
Que cheiro delicioso de sertão!
A gente até tem vontade
De mergulhar na lagoa ,
De cantar com as lavadeiras,
De se espojar pelo chão..."
Poema " Tauape " , da autoria de Edigar de Alencar ( 1901 - 1993 ) , nascido em Fortaleza , mas que viveu no Rio de Janeiro. No poema citado, fala da Lagoa do Tauape , e do Matadouro Modelo , que fazem lembrança de minha infância já tão distante .
Pode ser uma imagem de árvore e céu
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Dirceu Aze

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