domingo, 1 de novembro de 2020

 Em Todos os Jardins

" Em Todos os jardins hei - de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei - de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há- de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo .

Então serei o rítmo das paisagens ,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Vi florestas e danças e tormentos,
Cantavam rouxinóis e uivavam ventos
Nos céus atravessados por cometas.

Vi luz a pique sobre faces nuas,
Vi olhos que eram como fundas luas
Magnéticas suspensas sobre o mar.

Vi poentes em sangue alucinados
Onde os homens e as sombras se cruzavam
Em gestos desmedidos, mutilados.

Levada por fantásticos caminhos
Atravessei países vacilantes,
E nas encruzilhadas riam anjos
Inconscientes e puros como estrelas ."

Poema " Em Todos os Jardins " da autoria de Sophia de Mello Breyner Andresen ( 1919 - 2004 ), nascida na cidade de Porto , Portugal.
Uma das mais belas vozes do lirismo português .

A imagem pode conter: céu, árvore, nuvem, crepúsculo, planta, atividades ao ar livre e natureza

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