segunda-feira, 2 de julho de 2018

Do Amor e do Mar
Aqueles que quiseram nos representar o amor e seus caprichos o compararam de tantas maneiras ao mar que é difícil acrescentar o que quer que seja ao que disseram. Fizeram -nos ver que um e outro têm inconstância e infidelidade iguais, que seus bens e seus males são inumeráveis, que as navegações mais felizes ficam expostas a mil perigos, que as tempestades e os escolhos sempre devem ser temidos e que , muitas vezes, mesmo no porto se naufraga.
Mas, ao nos exprimirem tantas esperanças e tantos temores, não nos mostraram de modo suficiente, me parece, a relação que há de um amor desgastado, inerte e em fase final com essas longas bonanças , com essas calmaria aborrecedoras que são encontradas no percurso: cansados de longa viagem, desejamos que chegue ao fim ; avistamos a terra , mas o vento não sopra para chegar a ela; vemo-nos expostos às intempéries das estações; as doenças e a apatia nos impedem de agir ; a água e os víveres faltam ou mudam de gosto; recorremos inutilmente a um socorro estranho; tentamos pescar, mas só conseguimos alguns poucos peixes , sem deles tirar alívio ou alimento; estamos cansados de tudo o que vemos, ficamos sempre com nossos próprios pensamentos e estamos sempre aborrecidos; vivemos ainda, mas lamentamos viver; esperamos por desejos que nos levam a sair de um estado penoso e apático, mas os que conseguimos ter são fracos e inúteis .

"Do Amor e do Mar" , de autoria de La Rochefoucauld ( 1613 - 1680 ).

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