sábado, 15 de novembro de 2025

 Elogio da Sombra - Jorge Luis Borges

" A velhice ( tal é o nome que os outros lhe dão)
Pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua almas .
Vivo entre formas luminosas e vagas
Que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
Que antes se espalhava em subúrbios
Em direção à planície incessante,
Voltou a ser La Recoleta, o Retiro ,
As imprecisas ruas do Once
E as precárias casas velhas
Que ainda chamamos o Sul .
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas ;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar ;
O tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
Flui por um manso declive
E se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto ,
As mulheres são aquilo que foram há tantos anos ,
As esquinas podem ser outras ,
Não há letras nas páginas dos livros .
Tudo isso deveria atemorizar- me ,
Mas é um deleite , um retorno .
Das gerações dos textos que há na terra
Só terei lido uns poucos,
Os que continuo lendo na memória,
Lendo e transformando.
Do Sul, do Leste , do Oeste , do Norte
Convergem os caminhos que me trouxeram
A meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos ,
Mulheres, homens, agonias ,ressurreições,
Dias e noites ,
Entressonhos e sonhos,
Cada ínfimo instante de ontem
E dos ontens do mundo,
A firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
Os atos dos mortos ,
O compartilhado amor , as palavras ,
Emerson e a neve e tantas coisas .
Agora posso esquecê-las. Chego ao meu centro,
A minha álgebra e minha chave ,
A meu espelho.
Breve saberei quem sou ."
"Elogio da Sombra" , poesia da autoria do gigante argentino , Jorge Luis Borges (1899 - 1986 ) , escritor , poeta , tradutor, crítico literário e ensaísta, considerado um dos maiores escritores do século XX.

Nenhum comentário:

Postar um comentário