terça-feira, 18 de novembro de 2025

 Um Encontro com Rachel de Queiroz- 1968

1968 , o ano que não terminou . O mundo galopava a mil levantando densa poeira que demandaria tempo para baixar .A ampulheta que recolheu da superfície terreal , figuras como , Martin Luther King e Robert Kennedy, também deu azo a conflitos como a sangrenta Guerra do Vietnam .
Na bucólica Loura Desposada do Sol , um bando de álacres estudantes revoava rumo ao Colégio Militar de Fortaleza , para dar início à guerra do vestibular de Medicina da Universidade Federal do Ceará : coisa de cerca de 900 candidatos para 100 vagas . Era 05 de janeiro de 1968 .
Primeira Prova de Português, com caráter eliminatório . Os cursinho dos Colégios Castelo Branco , e Cearense , faziam um esforço grande para adivinhar o autor do texto da famigerada redação.
A escolhida desta feita foi a cearense Rachel de Queiroz ( 1910 - 2003 ) , com o poema " A Telha de Vidro " :
" Quando a moça da cidade chegou / veio morar na fazenda/ na casa velha.../ tão velha ! / quem fez aquela casa foi o bisavô../ deram - lhe para dormir a camarinha / uma alcova sem luzes , tão escura ! / mergulhada na tristura/ de sua treva e de sua única portinha / a moça não disse nada/ mas mandou buscar na cidade/ uma telha de vidro .../ queria que ficasse iluminada / sua camarinha sem claridade .../ agora/ o quarto onde ela mora / é o quarto mais alegre da fazenda/ tão claro que , ao meio dia , aparece uma/ renda de arabesco de sol nos ladrilhos/ vermelhos/ que - coitados - tão velhos / só hoje é que conhecem a luz do dia .../ a luz branca e fria / também se mete às vezes pelo clarão/ da telha milagrosa .../ ou alguma estrela audaciosa / carreteia/ no espelho onde a moça se penteia/ que linda camarinha ! Era tão feia/- você me disse um dia / que sua vida era toda escuridão/ cinzenta/fria /sem um luar , sem um clarão../ por que você não experimenta?/ a moça foi tão bem sucedida .../ ponha uma telha de vidro em sua vida !/
Eis , cruamente, a outra face da grande dama da Literatura Brasileira , da safra nordestina de 30, Rachel de Queiroz.
" Sou como o vento , passo . Mas não sem balançar as folhas ."
Cumpriu o prometido : balançou !
Depois do susto da estudantada , era soltar a pena , de preferência com a letra de " não- médico" , aquele horror que ninguém decifra , e tentar agradar a banca examinadora .
Um exemplo hipotético:
"Telha de Vidro trata - se de um poema que verbaliza, numa linguagem coloquial , versos livres , pois não respeitam métricas ; e versos brancos sem rimas . O eu - lírico põe rumo a quem quiser alumiar " seu quarto escuro " , suas entranhas , ou depósito de guardar " quinquilharias inacessíveis " , deixando penetrar os raios vivificante da razão. Ufa !
Seguimos nós, viagem pelo rés- do - chão, já alcançando 53 anos . Irmãos e cúmplices, de braços dados , numa íngreme vereda , com os pés descalços empoeirados , as mãos cobertas de calos , nuas, mas limpas .Trazemos ouro , sim, apenas no olhar , e muita , muita prata nos cabelos , tintos pelo orvalho da noite . É essa a nossa fortuna. Deste modo , queremos um dia distante nos apresentar na Mansão dos Bons e dos Justos , apoiados em nosso cajado , e dizer humildemente :
" Senhor , eis seu pequeno fruto, que pelejou pelo mundo afora consolando almas, lancetando feridas , receitando meizinhas e realizando curas com Sua intercessão, agora buscando Seu regaço eterno. Conceda- nos o perdão pelo não- feito ou pelos momentos em que fraquejamos " .
E por fim , dai- nos a paz ! .
Aos queridos e nobres irmãos da Turma de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Ano de 1973 .
Quanta Saudade!

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