sexta-feira, 31 de julho de 2020

Relembramentos
Em minha distante infância vivida na rua Rodrigues Júnior, entre as ruas Pero Coelho e Pinto Madeira , guardo na parede da memória um tipo humano especial : alto, pálido, magro, com olhar de espanto , e com um andar apressado.
A meninada do bairro , protegida dentro de casa pelo postigo, malvadamente soltava a senha :
- " Já morreu ! , Já morreu !
O pobre homem ficava transfigurado , uma fera , jogando pedras e impropérios para todos os lados .
No esconderijo caseiro , lágrimas rolaram em meu rosto , não de medo , mas de pena daquela lunática criatura , que hoje deve dormir o sono dos justos bem longe daquela algazarra proporcionada por inocentes petizes.
"Num dia desses ou, numa noite dessas
Você sai pela sua rua ou , pela sua cidade, ou,
Ou sei lá, pela sua vida, quando de repente,
Por detrás de uma árvore, apareço eu ! !
Mescla rara de penúltimo mendigo
E primeiro astronauta a pôr os pés em Vênus.
Meia melancia na cabeça, uma grossa meia sola em cada pé,
As flores da camisa desenhadas na própria pele
E uma bandeirinha de táxi livre em cada mão.
Ah! Ah ! Ah ! Você ri...você ri porque só agora você me viu.
Mas eu flerto com os manequins,
O semáforo da esquina me abre três luzes celestes.
E as rosas da florista estão apaixonadas por mim, juro,
Vem , Vem, Vamos passear. E assim dançando, quase voando eu
Te ofereço uma bandeirinha e te digo :
Já sei que já não sou, passei, passou.
A lua nos espera nessa rua é só tentar.
E um coro de astronautas, de anjos e crianças
Bailando ao meu redor, te chama :
Vem voar.
Já sei que já não sou, passei, passou.
Eu venho das calçadas que o tempo não guardou.
E vendo - te tão triste, te pergunto: o que te falta?
... talvez chegar ao sol, pois eu te levarei.
Louco , louco, louco, louco , louco ! Como um acrobata demente saltarei
Dentro do abismo do teu beijo até sentir
Que enlouqueci teu coração, e de tão livre, chorarei .
Vem voar comigo, querida minha,
Entra na minha ilusão super- esporte,
Vamos correr pelos telhados com uma andorinha no motor.
Do Vietnã nos aplaudem: viva ! Viva os loucos que inventaram o amor!
E um anjo, o soldado e uma criança repetem a ciranda
Que eu já esqueci...
Vem, eu te ofereço a multidão, rostos brilhando, sorrisos brincando.
Que sou eu? Sei lá, um...um tonto, um santo, ou um canto a meia voz.
Já sei que já não sou, nem sei quem sou.
Abraça essa ternura de louco que há em mim.
Derrete com teu beijo a pena de viver.
Angústias, nunca mais !!! Voar, enfim, voaaarrr!!!
Ama - me como eu sou, passei, passou.
Sepulta os teus amores , vamos fugir , buscar,
Numa corrida louca o instante que passou,
Em busca do que foi, voar, enfim , voar !!!
Viva ! Viva os loucos!!! Viva ! Viva os loucos que inventaram o amor !
Viva ! Viva ! Viva !
Balada para el loco, da autoria de Astor Piazolla (1921 - 1992 ). Gravada em português por Moacyr Franco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário