segunda-feira, 13 de maio de 2019

Ciganos em Fortaleza nos Anos 60
Despertou - se o adolescente sonhador Chico Barrâo no breu da noite e ficou colado ao postigo , saboreando o tilintar compassado do trote de cavalos , chapinhando o chão defronte à porta em busca do Campo do América, ali perto do sofrido Riacho Pajeú. Barracos de lona saltaram do chão como num passe de mágica. Uma sanfona chorou enquanto reinou a escuridão com uma melodia plangente de cortar coração, bem diferente de nosso forró pé de serra. 
Uma gente bizarra , colorida e festeira tomou conta do sonolento bairro da Aldeota , em Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.
Era uma leva de ciganos vindos , sei lá , dos confins do mundo, nômades, com ouro escorrendo pelo corpo , cartomantes, quiromantes e , especialmente, cabras que não levam desaforo para casa.
Muito bem , naquele agrupamento em Fortaleza , o curioso adolescente Chico Barrâo, dispõe- se a jogar sua minguada mesada , destinada a compra da Revista Rim- Tin- Tin, na prática da quiromancia . Apresentou - se à figura de um belo exemplar de mulher , cabelos negros presos num coque , olhos pecadores, rosto rabiscado com uns lábios carnudos e , exageradamente rubros. Ao lado dela , vigilante e severo , um homem vestido com roupa preta , bulindo no leito das unhas com um punhal longo e brilhante.
Chico Barrâo entregou trêmulo a mão para a bela cigana :
- " Filhinho, vejo um vermelho de sangue e fogo no seu futuro brilhante, com você se projetando como um garboso bombeiro ou um médico curando feridas de almas irmãs, ou mesmo um rubro comunista. Não puxe a mão, criança apressada , pois vem agora a melhor notícia, bobinho : você vai atear fogo , como um Nero na velha Roma, em muitos corações femininos por este mundo afora. "
O jovem fazia ouvidos de mercador , absorto que estava, na visão de duas mangas ali à vista , querendo saltar da blusa tomara - que - caia da ardente cartomante :
" A manga rosa, Maria Rosa /Rosa ,Maria ,Joana /peitos gostosos ,Rosa dos doces/mana, mama, mamãe/teu sumo escorre de minha boca/entra aberta a porta/ por onde entra e por onde sai o mundo/balança a fronte farta mangueira/e mata a fome , morto, morto a fome/ou mata imensa , mata.../nestes floreados cachos/de verde amarelou/maduro fruto/que pro nosso gozo vem/amem, mamem, amém. "
Composição musical Manga - Rosa da autoria do menestrel cearense Ednardo.
Chegando em casa , num êxtase, ardendo em febre interna , o jovem com o peito estufado "mode" um comunista, detonou , alegando:
"- Mãe, passei a noite sonhando a trabalhar como um soldado do Corpo de Bombeiros num daqueles carros barulhentos , sendo um comunista daqueles que comem criancinhas e amando todas as mulheres do mundo. E tem mais , não vou ficar queimando as pestanas em livros técnicos e findar com um salário de fome, numa repartição pública qualquer. "
Não deu nem tempo de terminar o panfletário discurso e o moleque desapareceu debaixo de uma surra de cinturão para acordar do destrambelhado sonho vermelho :
" - Você pensa que eu vou aturar umas sirigaitas enchendo um filho meu de doenças do mundo , como Mula, Esquentamento e Crista de Galo ? Você não tem fígado de fazer uma coisa vergonhosa dessas com sua pobre mãe ! Prefiro a morte !
Dias depois , quando os ciganos partiram com destino desconhecido, Chico Barrâo, montado num ginete abraçado com uma princesinha , Margarida , rindo e cantando melodias flamencas ,fugiu de casa .
Durou pouco a aventura e logo aparece de farol baixo , solitário, o adolescente Chico, aprontando os couros para outra sova , e o pior , ameaçado pelos pais , para um internanamento no famigerado Santo Antônio do buraco , nas cercanias de Fortaleza .
Cruz , Credo !

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