quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

 Nara Leão, Um Banquinho , Um Violão

1981 : Vivíamos em Pindorama , os extertores do Movimento Militar de 64 . O General João Batista Figueiredo , um cavalariano folclórico, tentava ensaiar movimentos rumo a uma democracia . Um sério incidente contudo , ocorreu durante um show no Rio - Centro quando um petardo explodiu no colo do governo matando um sargento e ferindo gravemente um capitão. Um incidente de trabalho cabuloso. Em Fortaleza , o meu Ferroviário sagrou - se vice campeão cearense com a seguinte formação: Salvino, Jorge Henrique, Paulo César Piauí, Nilo e Roner; Meinha , Doca e Sima; Jangada , Paulo César Cascavel ( " artilheiro veve de gol", sic) e Babá.
- Aí é ferrim, meu filho !
Nara Leão, um banquinho, dois joelhos e um violão , lançava em 1981 , um disco - Romance Popular - pela Philips, na salutar companhia de figuras do Norte/ Nordeste como Fausto Nilo , Fagner , Robertinho de Recife , Capinam , Stélio Vale , Geraldo Azevedo e Ferreira , Gullar , dentre outros . Uma das joias:
" Uma parte de mim é todo mundo/ outra parte é ninguém, fundo sem fundo/uma parte de mim é multidão/ outra, estranheza e solidão/ uma parte de mim pesa e pondera/ outra parte delira / uma parte de mim é permanente / outra parte se sabe de repente / uma parte de mim é só vertigem/ outra parte, linguagem/ traduzir - se uma parte na outra parte/ - que é questão de vida ou morte - / será arte ?"
Canção " Traduzir - se " , da autoria de Ferreira Gullar ( 1930 - 2016 ).
Nara Leão ( 2942 - 1989 ) , nasceu no dia 19 de janeiro de 1942, em Vitória, no Espírito Santo filha do advogado Jairo Leão e da professora Altina Lotufo Leão. Nara teve uma educação livre , e emancipou - se aos 16 anos . Tornou - se uma adolescente problemática com direito a acompanhamento psicanalítico e tudo mais . Uma das suas broncas : Danuza Leão, sua mana mais velha , uma bela , desinibida e famosa modelo. As duas capixabas abalavam os corações de muitos marmanjos sonhadores e ainda arranjavam tempo para lidar com pintura, violão e dança. Na casa delas reuniam - se figuras que ainda dariam muito o que falar , como Ronaldo Bôscoli, Silvinha Teles , Dori Caymmi , Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
Em 1964 , Nara fez sua estreia no espetáculo " Opinião ", com músicas de protesto , bem ao gosto da época, da autoria de Zé Kéti e João do Vale.
" Podem me prender/ podem me bater/ podem até deixar - me sem comer/ que eu não mudo de opinião/ daqui do Morro eu não saio não/ se não tem água , eu furo um poço/ se não tem carne , eu compro osso/ e ponho na sopa/e deixa andar/ fale de mim quem quiser falar / aqui eu não pago aluguel/ se eu morrer amanhã, seu doutor / estou pertinho do céu ".
Em 1965 , Nara estreia " Liberdade , Liberdade" , novamente mexendo com os militares, e no ano seguinte , aparece no jornal Diário de Notícias, uma zangada manchete :
" Nara é de opinião: - Esse Exército não vale nada ! ".
Imaginem o estrago do petardo. O Marechal Castelo Branco, cearense da ala moderada , acossado pelo General Costa e Silva, linha dura, era pressionado para enquadrar a " Leoa " . O tempo fechou !
O itabirano Carlos Drummond mandou um recado, nos seguintes termos ao Marechal Castelo Branco :
" Meu honrado Marechal/ dirigente da nação/ venho fazer - lhe um apelo/ não prenda Nara Leão/ soube que Guerra, por conta/ quer lhe dar uma lição/ vai enquadrá - la - esta é forte - artigo tal...não sei não/ a menina disse coisas/ de causar extremeção/ pois a voz de uma garota abala a revolução?/ Nara quis separar o civil do capitão? / em nossa ordem social/ lançar desagregação? /será que ela tem na fala / mais do que charme ,canhão?/ou pensam que, pelo nome/ em vez de Nara é Leão?/ se o General Costa e Silva/ já nosso meio - chefão/ tem pinta de boa - praça / por que tal irritação ?/ ou foi alguém que , do contra/ quis criar amolação ?/ que disse a mocinha, enfim/ de inspirado pelo cão ?/ que é pela paz e amor/ e contra a destruição?/ deu um palpite em política/ favorável à eleicao/ de um bom paisano - isto é crime , acaso /de alta traição?/e , depois, se não há preso político na ocasião/ porque fazer da menina / uma única exceção?/ah, Marechal, compre um disco de Nara , tão doce , tão meigamente brasileira / e
remeta ao escalão/ que no palácio da Guerra/ estuda de lei na mão/ o que diz a uma cantora / dentro da ? Constituição/ ao ouvir que ela canta/ e penetra o coração/ o que é música de embalo/ em meio de tanta aflição/ o gabinete zangado/ que faz tarantantão/ denunciando Narinha/ mudava de opinião/ de música precisamos/ para pegar o rojão/ para viver e sorrir/ que não está mole não/Nara é pássaro, sabia ? / e nem adianta prisão/ para a voz, que pelos ares/ espalha sua canção/ não deixe, nem de brinquedo/ que prendam Nara Leão ".
Nos anos 60 e 70, Nara Leão passeou sua inquietação por vários estilos musicais, sempre na vanguarda e amparada por um bom repertório. Quando a paz surgia , enfim , no horizonte, com o retorno da democracia aqui no pedaço, um serio agravo de saúde - um tumor no cérebro - abateu o canto leve e mavioso da musa da bossa - nova que daqui partiu no dia 7 de junho de 1989 , aos 47 anos , rumo às estrelas.
Bela , meiga , dengosa, voz pequena , bem postada, com opinião própria e muita , muita bossa !
Completaria , no dia 19 de janeiro de 2022 , 80anos ! Viva Nara Leão!
Pode ser uma imagem em preto e branco de 1 pessoa
Elmar Pereira, Lúcia Brandão e outras 5 pessoas

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

 O Amor Do Rio

Os deuses puniram o jovem e belo Narciso , por ter recusado o amor da ninfa Eco , fazendo - o apaixonar - se pelo seu próprio reflexo num riacho. Narciso enamorou - se por si mesmo , morrendo afogado ao tentar se agarrar à sua imagem .
Em seguida os deuses , o transformaram em uma flor , o narciso , símbolo da morte prematura .
" Depois de sua morte , todas as flores à beira d'água ficaram desoladas e pediram ao rio algumas gotas de água para chorar .
- Ah - disse o rio - , se todas as minhas gotas d'água fossem lágrimas, eu não as teria suficientemente para chorar a morte de Narciso. Porque eu o amava.
- Como não amá - lo ? - disseram então as flores. - Ele era tão belo !
- Ele era belo ? - perguntou o rio.
- E quem poderia saber melhor que você? - disseram as flores. - A cada dia ele se debruçava por cima da margem e contemplava sua beleza nas suas águas .
- Mas não era por isso que eu o amava - disse o rio.
- E, então, por quê ?
- Porque , quando ele se debruçava, eu podia ver a beleza das minhas águas nos olhos dele ."
" O Amor Do Rio " , da autoria de Jean - Claude Carrière ( 1931 - 2021 ) , escritor , roteirista ,dramaturgo , ensaísta e ator francês .
Foto que ilustra o texto : Lagoa da Precabura, nos limites de Fortaleza com o município de Eusébio.
Pode ser uma imagem de corpo d'água, palmeiras e natureza

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

 Meu Nosso Ceará

"Ceará,
Quando você
Nos dias gloriosos que hão de vir,
Chegar a ser um homem feito;
Quando você souber pensar sozinho,
Sem auxílio de ninguém;
Quando você for todo nosso
Todo cearense,
Ó, meu Ceará, só meu e do meu povo bom
( É pena que eu já tenha morrido)
Para não poder mais , ouvir os eternos poemas
Que os futuros poetas de todos os recantos sagrados de você, Ceará;
Tumultuosos , vibrantes,
Coruscantes de astros,
Começarem, bem límpido e bem alto,
A cantar , a cantar ,a cantar,
Até morrerem cantando ! "
"Meu Nosso Ceará" , poema da autoria do fortalezense José Vicente Sidney Netto ( 1893 - 1972 ) que integrou a Academia Cearense de Letras, ocupando a Cadeira de número 1 , cujo patrono foi Adolfo Caminha .
Pode ser uma imagem de céu e crepúsculo
Carlos Alberto Cunha, Emanuel Carvalho Melo e outras 10 pessoas

domingo, 9 de janeiro de 2022

 Fortaleza em Prosa e Verso

" Que cousas direi de ti, Fortaleza, se tantos já te cantaram em Prosa e Verso, e abriram o coração aos teus encantos , e louvaram com amor a tua face, e te disseram grandes madrigais ?
Teu claro rosto e graça delicada inspiraram a formação de versos e serestas, e ficaste nas almas como uma valsa iluminando mudas benquerenças. Ninguém jamais deixou de te amar. Teu lirismo te segue como uma sombra. És bela e te embalas com as canções que chegam do teu mar . E nunca te apartaste dos mistérios que formam a tua alma .
Tens algo de inefável, como as cousas que amamos e nem sempre poderemos explicar. Tens algo que é só teu, que é puramente Fortaleza, quer seja nos subúrbios, nos jardins , nas praias , ou nas ruas. É algo de profundo, que não morre , mas te segue em todos os teus dias e cai subitamente em nosso olhar , ampliando por ti o nosso afeto.
Seriam as saudades dos boêmios de outrora, que ficaram em permanente arco - iris no silêncio ? Seria a tua perpétua adolescência pousando sobre homens como nuvem de Poesia ? Seria o teu amor procurando exprimir aos nossos olhos algum segredo que conservas como adorno imaterial de tua beleza ?
Difícil responder. A verdade , porém, é que todos te ofertam amor imperecível e procuram o resguardo de teus múltiplos encantos. Quantos te amam ? Não há esquecimento para a tua face. Os que partem ,te saúdam de longe na ternura e no pranto de inúmeras lembranças. Os que ficam , entoam em teu louvor ó Musa , canções que não têm fim.
Ilha do nosso amor , conservas inúmeros sortilégios românticos e jamais esqueceste os teus próprios caminhos, na preamar do tempo.
És jovem e alegre como as namoradas .
Tuas manhãs de sol nos chamam para para as lutas, tuas tardes bucólicas nos dão serenidade, tuas noites tão belas nos levam para o amor ...
Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, como falar de ti em termos graves, com as difíceis palavras da eloquência, se és simples e moras dentro de nós como rosa que nunca se extinguisse? Para que louvar - te com sermões ilustres e tudo em ti trescala Poesia , e as palavras em ti nascem serenas , e se és para nós tão doce amada ?
Sobre o teu vulto delicado e terno caminham pastorais que vêm de tua infância. Ao sopro de ternuras te embalaste . E o amor te fez ."
Cancioneiro Da Cidade De Fortaleza ( 1953 ) , da autoria de Artur Eduardo Benevides ( 1923 - 2014 ) , O Príncipe dos Poetas Cearenses.
Foto que ilustra o texto o final da tarde deste sábado em Fortaleza .
Pode ser uma imagem de natureza, nuvem e crepúsculo
Carlos Alberto Cunha, Neila Romero e outras 17 pessoas
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domingo, 2 de janeiro de 2022

 Meu Pedaço de Chão, Minha Vida .

Fim da tarde de sábado, primeiro dia do ano , apresentando para minha pequena filha , a Praia do Mucuripe , parte de minha vida. Há seis décadas , neste paradisíaco chão, não existiam espigões de concreto, barrando a brisa e apontando com os dedos em riste para os céus. É o progresso !
" Sou cearense e me ufano,
Que esta terra de Iracema
Primeiro quebrou a algema
Nos pulsos da escravidão !
Nos " verdes mares bravios"
Voando a sua jangada,
Foi, nesta Santa cruzada,
O berço da salvação.
E, por isso, a voz do povo
Chamou - a " Terra da Luz ";
Cumprida a lei de Jesus :
Do cativo a remissão...
E desta luz a centelha
Produziu geral incêndio,
Acabando o vilipêndio,
Do servo fazendo irmão.
O alto poder, nos prélios,
Se carece de soldado,
Os olhos volve animado
Para as bandas do Ceará,
Para a terra de Tibúrcio
E do Sampaio valente !
Onde melhor combatente ?
Mais valoroso não há!
E manda chamar um Clóvis,
Se precisa de jurista;
Quando fala em romancista
Lembra José de Alencar!
Portanto , declaro , ufano
Da glória que me pertence:
Sabeis vós : - Sou cearense
E minha glória é sem par ."
Poema " O Cearense " da autoria de Juvenal Galeno , nascido em Fortaleza, a 27 de setembro de 1836 e falecido na mesma cidade , a 7 de março de 1931. Construiu uma poesia de intuitos populares, bebida diretamente das fontes do povo , a qual vestiu com formas de um primitivismo ingênuo e de grande efeito poético .
Pode ser uma imagem de 1 pessoa, cão e ao ar livre
Josias Cavalcante, Kalline Alcântara e outras 86 pessoas
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