quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

 Fortaleza - Praia do Mucuripe - 1976

" Aqui, diante de mim ,
Eu , pecador , me confesso
De ser assim como sou .
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou .
Me confesso
Possesso
De virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais ,
Que são sete ,
Quando a terra não repete
Que são mais .
Me confesso
O dono das minhas horas .
O das facas cegas e raivosas ,
E o das ternuras lúcidas e mansas .
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura .
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura .
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa ;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna .
Me confesso de ser eu.
Eu , tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim ! "
Livro de Horas , de Miguel Torga ( 1907 - 1995 ) , português , médico , graduado pela Universidade de Coimbra. Dedicou - se á clínica e à extensão obra literária .
Foto que ilustra o texto , um médico obstetra , graduado em 1973 , curtindo a natureza numa tarde de 1976 , na Praia do Mucuripe , em Fortaleza . Velhos e bons tempos !

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