segunda-feira, 24 de novembro de 2025

 O MAR

" ...Eu vi, Senhor, o mar sombrio e furioso , investir contra os rochedos .
De longe as vagas tomavam o impulso, orgulhosas , de pé, saltavam , atropelavam - se umas às outras , para tomarem a frente e serem as primeiras a bater .
Vi, outro dia , o mar calmo e sereno.
Vinham de muito longe as ondas , tomavam carreira , elevavam - se orgulhosas , brincavam , saltavam e atropelavam - se umas às outras, para tomarem frente e serem as primeiras a bater .
E quando a alva espuma se desmanchava, deixando intacta a rocha, tinham partido as vagas , correndo para de novo se lançarem.
Vi , outro dia , o mar calmo e sereno .
Vinham de muito longe as ondas de bruços rastejando , para não chamar a atenção. Dando - se as mãos, ajuizadas , deslizavam sem ruído e espraivam - se á vontade na areia , para tocar a orla , com a ponta de seus formosos dedos de espuma.
Faze , Senhor , que eu evite as pancadas sem rumo que cansam e magoam, e não atingem o inimigo. Afasta de mim as cóleras espetaculares, que chamam a atenção mas deixam inutilmente enfraquecido.
Não permitas que orgulhosamente eu queira sempre preterir os outros , esmagando, ao passar, os que vão à frente .
Apaga do meu rosto o ar sombrio das tempestades vencedoras .
Ao contrário, Senhor , faze que calmamente , eu preencha os meus dias , tal como o mar lentamente recobre toda a praia .
Faze - me humilde como o mar, quando silencioso e ameno avança sem se fazer notar .Dá- me a graça de esperar os meus irmãos, medir os meus passos pelos deles , para com eles subir .
Concede - me a perseverança triunfante das ondas .
Faze que cada um dos meus recuos seja ocasião de subida .
Dá a meu rosto a claridade das águas límpidas, à minha alma a brancura da espuma;
Ilumina a minha vida como os raios do Teu sol fazem cantar o espelho das águas. Mas , sobretudo, Senhor , faze que eu não guarde para mim esta Luz , e que todos os que de mim se aproximem voltem a casa ávidos de se banharem na Tua graça Eterna ."
Poema O Mar , da autoria de Michel Quoist ( 1921 - 1997 ) .

terça-feira, 18 de novembro de 2025

 Um Encontro com Rachel de Queiroz- 1968

1968 , o ano que não terminou . O mundo galopava a mil levantando densa poeira que demandaria tempo para baixar .A ampulheta que recolheu da superfície terreal , figuras como , Martin Luther King e Robert Kennedy, também deu azo a conflitos como a sangrenta Guerra do Vietnam .
Na bucólica Loura Desposada do Sol , um bando de álacres estudantes revoava rumo ao Colégio Militar de Fortaleza , para dar início à guerra do vestibular de Medicina da Universidade Federal do Ceará : coisa de cerca de 900 candidatos para 100 vagas . Era 05 de janeiro de 1968 .
Primeira Prova de Português, com caráter eliminatório . Os cursinho dos Colégios Castelo Branco , e Cearense , faziam um esforço grande para adivinhar o autor do texto da famigerada redação.
A escolhida desta feita foi a cearense Rachel de Queiroz ( 1910 - 2003 ) , com o poema " A Telha de Vidro " :
" Quando a moça da cidade chegou / veio morar na fazenda/ na casa velha.../ tão velha ! / quem fez aquela casa foi o bisavô../ deram - lhe para dormir a camarinha / uma alcova sem luzes , tão escura ! / mergulhada na tristura/ de sua treva e de sua única portinha / a moça não disse nada/ mas mandou buscar na cidade/ uma telha de vidro .../ queria que ficasse iluminada / sua camarinha sem claridade .../ agora/ o quarto onde ela mora / é o quarto mais alegre da fazenda/ tão claro que , ao meio dia , aparece uma/ renda de arabesco de sol nos ladrilhos/ vermelhos/ que - coitados - tão velhos / só hoje é que conhecem a luz do dia .../ a luz branca e fria / também se mete às vezes pelo clarão/ da telha milagrosa .../ ou alguma estrela audaciosa / carreteia/ no espelho onde a moça se penteia/ que linda camarinha ! Era tão feia/- você me disse um dia / que sua vida era toda escuridão/ cinzenta/fria /sem um luar , sem um clarão../ por que você não experimenta?/ a moça foi tão bem sucedida .../ ponha uma telha de vidro em sua vida !/
Eis , cruamente, a outra face da grande dama da Literatura Brasileira , da safra nordestina de 30, Rachel de Queiroz.
" Sou como o vento , passo . Mas não sem balançar as folhas ."
Cumpriu o prometido : balançou !
Depois do susto da estudantada , era soltar a pena , de preferência com a letra de " não- médico" , aquele horror que ninguém decifra , e tentar agradar a banca examinadora .
Um exemplo hipotético:
"Telha de Vidro trata - se de um poema que verbaliza, numa linguagem coloquial , versos livres , pois não respeitam métricas ; e versos brancos sem rimas . O eu - lírico põe rumo a quem quiser alumiar " seu quarto escuro " , suas entranhas , ou depósito de guardar " quinquilharias inacessíveis " , deixando penetrar os raios vivificante da razão. Ufa !
Seguimos nós, viagem pelo rés- do - chão, já alcançando 53 anos . Irmãos e cúmplices, de braços dados , numa íngreme vereda , com os pés descalços empoeirados , as mãos cobertas de calos , nuas, mas limpas .Trazemos ouro , sim, apenas no olhar , e muita , muita prata nos cabelos , tintos pelo orvalho da noite . É essa a nossa fortuna. Deste modo , queremos um dia distante nos apresentar na Mansão dos Bons e dos Justos , apoiados em nosso cajado , e dizer humildemente :
" Senhor , eis seu pequeno fruto, que pelejou pelo mundo afora consolando almas, lancetando feridas , receitando meizinhas e realizando curas com Sua intercessão, agora buscando Seu regaço eterno. Conceda- nos o perdão pelo não- feito ou pelos momentos em que fraquejamos " .
E por fim , dai- nos a paz ! .
Aos queridos e nobres irmãos da Turma de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Ano de 1973 .
Quanta Saudade!

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

 Domingo no Parque do Rio Cocó

Parque Adahil Barreto situado na margem esquerda do rio Cocó . Da nascente , na serra da Aratanha , no Município de Pacatuba , à foz, no Oceano Atlântico, nos limites das praias do Caça e Pesca e de Sabiaguaba , o Rio Cocó percorre 48 Km , passando pelos municípios de Maracanaú, Itaitinga e Fortaleza .
O topônimo Cocó é o plural de Có , que significa Roça , fazendo alusão às roças dos povos indígenas que plantavam nas vazantes do rio .
Roberto Pontes , nascido em Fortaleza , cursou Direito ( 1964 ) , e Mestrado em Literatura Brasileira ( 1991 ) . Poeta , crítico, ensaísta e tradutor , é autor de um plural e mimoso :
" Lamento do Rio Raivoso "
Esta água
Onde um tronco vai
Não é água
É sangue
Esse rio que corre
Não é rio
É rei coroado de pontes
Essas conchas
Que servem de leito
Não são ostras.
São ossos trazidos dos mangues
Essa nascente do rio Cocó
Só pode ser dois olhos
Muito grandes
Chorando a vida toda
Por ter nascido rio
E não fuzil.
Ponto Final

sábado, 15 de novembro de 2025

 Elogio da Sombra - Jorge Luis Borges

" A velhice ( tal é o nome que os outros lhe dão)
Pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua almas .
Vivo entre formas luminosas e vagas
Que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
Que antes se espalhava em subúrbios
Em direção à planície incessante,
Voltou a ser La Recoleta, o Retiro ,
As imprecisas ruas do Once
E as precárias casas velhas
Que ainda chamamos o Sul .
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas ;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar ;
O tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
Flui por um manso declive
E se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto ,
As mulheres são aquilo que foram há tantos anos ,
As esquinas podem ser outras ,
Não há letras nas páginas dos livros .
Tudo isso deveria atemorizar- me ,
Mas é um deleite , um retorno .
Das gerações dos textos que há na terra
Só terei lido uns poucos,
Os que continuo lendo na memória,
Lendo e transformando.
Do Sul, do Leste , do Oeste , do Norte
Convergem os caminhos que me trouxeram
A meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos ,
Mulheres, homens, agonias ,ressurreições,
Dias e noites ,
Entressonhos e sonhos,
Cada ínfimo instante de ontem
E dos ontens do mundo,
A firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
Os atos dos mortos ,
O compartilhado amor , as palavras ,
Emerson e a neve e tantas coisas .
Agora posso esquecê-las. Chego ao meu centro,
A minha álgebra e minha chave ,
A meu espelho.
Breve saberei quem sou ."
"Elogio da Sombra" , poesia da autoria do gigante argentino , Jorge Luis Borges (1899 - 1986 ) , escritor , poeta , tradutor, crítico literário e ensaísta, considerado um dos maiores escritores do século XX.

sábado, 8 de novembro de 2025

 Oração Pela Grande Família

" Gratidão à Mãe Terra : navegando através da noite e dia , e seu solo; rico , estranho e doce em nossas mentes . Assim seja .
Gratidão às Plantas: à folha mirando o sol , mudando com a luz , e às delgadas raízes como cabelos ; fortes no vento e na chuva . Sua dança é o grão movendo- se em espirais em nossas mentes . Assim seja.
Gratidão ao Ar : que leva a Andorinha ao alto e a silenciosa Coruja ao amanhecer. Respiração de nossa canção, claro espírito da brisa em nossas mentes . Assim seja.
Gratidão aos Seres Selvagens : nossos irmãos, que ensinam segredos , liberdades e caminhos ; que compartem conosco seu leite ; autossuficientes , bravos e sensíveis em nossas mentes . Assim seja.
Gratidão à Água: nuvens , lagos , rios , glaciares ; sujeitando ou liberando; levando a nossos corpos mares salgados em nossas mentes . Assim seja.
Gratidão ao Sol : Luz ofuscante e vibrando entre os troncos das árvores, entre a neve , acalentando as covas onde os ossos e as serpentes dormem - ele que nos desperta - em nossas mentes . Assim seja.
Gratidão ao Grande Céu: que contém bilhões de estrelas e ainda mais ; mais além de todos os poderes e pensamentos; no entanto, está de nós todos ."
Oração Mohawk - Tribo da América do Norte .

domingo, 2 de novembro de 2025

 " Energia " , de Coelho Neto

" O homem sem iniciativa , que tudo espera do acaso , é como o mendigo, que vive de esmolas. A mais bela coragem é a que devemos ter na capacidade de nosso esforço. O que sobe por favor deixa sempre rastro de humilhação.
O caminho está aberto a todos , e se uns vencem e alcançam o que almejam , não é porque sejam predestinados , senão porque forçaram os obstáculos com arrojo e tenacidade.
Não há arrimo mais firme do que a vontade . O que se fia em si mesmo é como o que viaja com roteiro e provido de farnel e não perde tempo em informar- se do caminho, nem em buscar estalagem para comer .
Só há uma sina a que o homem não pode fugir: é o trabalho - ponte lançada sobre o abismo da miséria, no fundo do qual gemem todas as dores , rugem todos os vícios e escabujam em lama todas as vergonhas . É um passo estreito , por vezes oscilante, mas quem se atira por ele com firmeza de ânimo e olhar alevantado, atravessa - o alcançando, no outro lado , a fortuna .
Aquele que confia em si anda sempre de olhos abertos; o que se entrega a outrem vai como cego: e tanto pode ser guiado para o bem como dirigido para o mal .
Só os fracos, os impotentes quedam na resignação; os enérgicos insurgem - se , lutam , dão combate à vida e vencem. "
" Breviário Cívico " , de Coelho Neto, 1921 .
Crônica do gigante Coelho Neto , publicada há mais de um século, servindo como claro aviso aos fracos e impotentes de Pindorama, hodiernamente em postos de mando , que continuam sua sina de cegos rumo ao abismo fatal .
Ponto Final!
Henrique Maximiano Coelho Neto, nasceu em 21 de fevereiro de 1864 , em Caxias, Maranhão ; faleceu em 28 de novembro de 1934. Foi escritor, político, advogado e professor brasileiro. Membro da Academia Brasileira de Letras . Considerado o " Príncipe dos Prosadores Brasileiros " .

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

 Dia Nacional do Livro

" Um país se faz com homens e livros " . Regimes bárbaros que incitam a queima de livros terminam por eliminar também os autores dos mesmos . Aqueles que hoje jogam as pedras da intolerância contra a sublime figura de Monteiro Lobato ( 1882 - 1948 ) , certamente, coitados , não tiveram o privilégio de viajar no tapete mágico com personagens como Tia Nastácia, Marquês de Rabicó , Pedrinho e Narizinho, que percorreram o mundo inteiro formando uma legião de adultos livres de preconceitos e amoráveis.
A hidra do preconceito continua a nos atormentar a todos neste século XXI : contra negros , gordos , idosos , jovens , baixinhos , estrangeiros, deficientes ,migrantes e pedintes . Monteiro Lobato foi um Quixote a terçar armas com palavras em defesa da saúde pública, da exploração de nossas riquezas minerais, da difusão do livro num país inculto , e pelas liberdades democráticas.
" Fui um grande inquieto dos nossos destinos e pensei demais no Brasil" ( Monteiro Lobato ) .
" O livro é um mudo que fala , um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive " ( Padre Antônio Vieira) .
Os livros não matam a fome , não suprimem a miséria, não acabam com as desigualdades e com as injustiças do mundo , mas consolam as almas, e fazem - nas sonhar " ( Olavo Bilac) .
" Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria " ( Jorge Luis Borges).
" Há aqueles que não podem imaginar o mundo sem pássaros, há aqueles que não podem imaginar o mundo sem água; ao que me refere, sou incapaz de imaginar um mundo sem livros " ( Jorge Luis Borges) .
" É para isso que servem os livros. Para viajar sem sair do lugar " ( Jhumpa Lahiri ).
Ponto Final !