quinta-feira, 29 de setembro de 2022

 O Ferreiro da Maldição, ou no Reino do Abandono

- Ei , Senhor meu , rei do tamborim , do ganzá,
Cante um cantar, forme um repente pra mim.
Aqui , Nordeste , um país de esquecidos,
Humilhados, ofendidos e sem direito ao porvir .
Aqui , Nordeste , Sul América do sono...
No reino do abandono, não há lugar pra onde ir.
De Nashville pro Sertão ( se engane , não ! )
Tem muito chão. Tem , meu irmão, muito Baião.
Em New Orleans, bandos de negros afins
Tocam em bandas , bancos, bandolins...
- Onde jaz meu coração?
Em mim, desse canto daqui, lugar comum,
Como no assum, azul de preto, o canto é que
Faz cantar.
Cresce e aparece em minha vida , e eu me renovo
No canto, o pio do povo. Pio é preciso piar.
Minha voz , rara taquara rachada ,
Vem , soul - blues, do pó da estrada,
E conta o que a vida convém.
Vem , direitinho, garganta desbocada ,
Mastigando in - nhem, in - nham,
Cheinha de nhém, nhém , nhem.
" Onde jaz meu coração " , letra da autoria de Belchior( 1946 - 2017 ) , do álbum "Cenas do próximo capítulo " , 1984.
" O Ceará é o ferreiro maldito , de quem fala a lenda popular: quando tem ferro falta carvão. É nadador contra a corrente , que nunca chega; o caranguejo que anda e desanda; o eco a repetir a pergunta sem lhe dar resposta; o nó sem ponta ; o sonho que promete em sombras que que não se distinguem bem, a vaga esperança, enfim, para a qual nunca chega o dia.
Há cem anos , um povo gigante , a mover - se, não adianta um passo, como frágil esquife sobre as ondas, que a corrente impele, e o vento faz recuar. Não lhe falta a alma . São os deuses, que condenam à pena de Tântalo - morrer de sede à beira do regato. Os diretores mentais do Ceará morreram ou foram longe procurar um teatro para exibição de sua intelectualidade ; e crestam na penúria os rebentos da capacidade cearense , a disputarem um pouco de ar, que aliás lhe mata o estímulo; o ar mefítico das baixas regiões oficiais...
Que seja para os netos de nossos netos , não importa . O mundo não é tão curto , que acabe em nós; e cem anos , na ordem dos tempos, é muito menos de um til nos lábios."
Crônica datada de 20 de maio de 1903 , da autoria de João Brigido dos Santos ( 1829 - 1921 ) , jornalista , cronista , historiador e político combativo . Até os dias hodiernos , o perfil do Ceará pouco mudou !
Até quando essa triste sina , e sem direito ao porvir ?
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Martinho Rodrigues, Lúcia Brandão e outras 6 pessoas

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