sexta-feira, 5 de novembro de 2021

 Coronal , de Padre Antônio Batista Vieira

" O riso é a mais fina e eloquente expressão do espírito. Fala todas as línguas e traduz os sentimentos mais íntimos e nobres. Serve a todas ocasiões e circunstâncias. Para confirmar a verdade. Para esconder a mentira. Para encobrir uma situação difícil. Para esconder uma mágoa profunda ou revelar uma grande afeição.
Há o riso nervoso, que é a contração dos lábios, que se preparam para a tempestade dos palavrões ou dos dentes, que querem morder. Há o riso escarninho, que mal aflora aos lábios, como serpe que se enrosca, em sarças espessas, para melhor desfechar o golpe. Há o riso de complacência e ternura, que é a corola entreaberta, despetalando perfume e encanto. Há o riso espalhafatoso , tonitruante , de esgares desconhecidos, que se avizinha dos guinchos animalescos.
Nada mais sublime que o riso. Nada mais perverso, também. É aristocrático, de puro sangue. É plebeu , vulgar , como bafio de balcão de feira. É espiritual como o adejar ds asas de um pássaro, que mal fere a plumagem no ar. É material e brutal como a lama dos charcos.
Nos lábios de uma criança é um poema de inocência . Nos lábios do moribundo é uma prece de saudade. Nos lábios da juventude é sonho , idílio, amor e esperança. O riso dos velhos é tristeza, evocação e lágrimas. Nos lábios do hipócrita é punhal. Nos lábios do malfeitor é veneno.
Com o riso construímos um mundo de afetos e podemos também destruir amizades sólidas. Com o riso conquistamos a simpatia das crianças, enfloramos de esperança o leito dos moribundos, tomamos a fereza dos próprios irracionais.
Linguagem da alma e do coração, o riso diz mais que todos os poemas literários . Saber rir é arte. Não há galanteria mais refinada, charme mais perfeito de educação, doçura mais encantadora que este leve encrespar dos lábios, que fotografa todas as nuanças e matizes do espírito, e carimba alma da gente , as matrizes de uma afeição e de uma lembrança, que valem uma eternidade de bonança e felicidade ".
Texto " Coronal " que integra o livro " Cem Cortes sem Recortes " da autoria do Padre Antônio Batista Vieira ( 1919 - 2003 ) , cearense de Várzea Alegre. Ordenado sacerdote em 1942 no Crato , Ceará. Deputado Federal pelo MDB , cassado em 1969 , pelo AI 5.
Não confundir com o Padre Antônio Vieira ( 1608 - 1697 ) , português, e expressão do Barroco Literário da língua de Camões , que pregava para índios, brancos , negros , africanos , portugueses , dominados e dominadores.
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Jeannie Gladys, Lúcia Brandão e 1 outra pessoa
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