domingo, 15 de agosto de 2021

 O Estouro da Boiada

" Já vistes o estouro da boiada ? Vai o gado sua estrada mansamente, rota segura e limpa, chã e larga, batida e tranquila , ao som monótono dos eias! dos vaqueiros. Caem as patas no chão em bulha compassada. Na vaga doçura dos olhos dilatados, transluz a inconsciente resignação das alimárias, oscilantes as cabeças , pendentes à margem dos perigalhos, as aspas no ar em silva rasteira sobre o dorso da manada. Dir - se - ia a paciência em marcha abstrata de si mesma, ao tilintar dos chocalhos, em pachorrenta andadura, espertada automaticamente pela vara dos boiadeiros.
Eis senão quando, não se atina porque, a um acidente mínimo, um bicho inofensivo que passa a fugir, o grito de um pássaro na capoeira , estalido de uma rama no arvoredo, se sobressalta uma das reses, abala , desfecha a correr, e após ela se arremata em doida arrancada, atropeladamente , o gado todo. Nada mais o reprime. Nem brados, nem aguilhadas o detêm, nem tropeços, voltas ou barrancos por davante. E lá vai, incessantemente, o pânico em desfilada, como se os demônios o tangessem, léguas e léguas, até que , exausto o alento ,esmorece e cessa afinal a carreira, como começou, pela sensação de seu impulso".
Rui Barbosa ( 1848 - 1923 ) , jurista , jornalista, político, orador e diplomata baiano. Cultor do idioma de Camões.
A descrição deste fenômeno da natureza que ocorre com animais , de origem obscura ,tem sido assunto para a pena de muitos escritores , e por analogia , transpôs- se para a saga do bicho - homem. Os caminhantes tranquilos, pacatos , desenhando as veredas de uma vida , podem, súbito, por conta de uma gota d'água, sair em disparada , derrubando barreiras , agindo de forma grotesca , abrindo caminhos para implantar revoluções.
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