sexta-feira, 4 de maio de 2018


O PASSADO/LUAR DO SERTÃO

PARA O MENESTREL FRANCISCO JOSÉ PESSOA



Ah! quantas vezes eu não digo/ao meu Passado esse amigo/que me alenta no sofrer/- “acorda, tem paciência! /anda conversar comigo/e perdoa a impertinência/de tanto te aborrecer!”/e o pobre velho, coitado/mal dormido e já cansado/de tanto e tanto o chamar/levanta-se, bocejando/e vem a mim , caminhando/passo a passo, a me fitar/ao meu convite assentindo/penteando os cabelos brancos/e as barbas brancas, sorrindo/jovialmente se vestindo/com suas vestes de cores/deitando o barco no rio/cujas margens reverdecem/com seus antigos verdores/acendendo as luminárias/as multifárias lanternas/de luzes multicolores/oferecendo-me a taça/de seus mágicos licores/licores que fez das lágrimas/de nossos velhos amores/e, por fim, saudando a lua/que em seus mágicos fulgores/já tantas vezes saudou/- o meu passado, embarcando/soltando a vela e remando/para a nascente do rio/que já tão longe ficou/- cantando, e, às vezes, chorando/na viagem me vai mostrando/no próprio espelho das águas/os meus prazeres e mágoas/tudo quanto já passou !/mas, basta um leve arrepio/no liso espelho do rio/quebrando, instantaneamente/todo o encanto da visão/para eu ver, desiludido/que tudo é um sonho perdido/um sonho só, refletido/não no espelho da corrente/mas no cristal transparente/de minha imaginação !/

Pois só assim é que eu vejo/que o barqueiro, o velho amigo/que vai cantando comigo/revivendo o tempo antigo/que o tempo já devorou/é um homem transfigurado/é um morto ressuscitado/é o cadáver do Passado/que a saudade embalsamou/mas, inda assim, abençoado/bendito seja o Passado/que inda depois de morrer/ao menos, pela memória/concede-me a excelsa glória/- glória de reviver!”

“O Passado”, poema de Catulo da Paixão Cearense (1863 -1946), músico, poeta e compositor brasileiro, nascido em São Luís do Maranhão, filho de pai cearense, e, mãe maranhense. Autor da música “Luar do Sertão”:

“Não há, oh! gente. oh! não/luar como esse do sertão/oh, que saudades do luar da minha terra/lá na serra branquejando/folhas secas pelo chão/este luar cá da cidade tão escuro/não tem aquela saudade do luar lá do sertão/se a lua nasce por detrás da verde mata/mais parece um sol de prata/prateando a solidão/a gente pega na viola que ponteia/e a canção é a lua cheia/ a nos nascer do coração/coisa mais bela neste mundo/não existe/do que ouvir-se um galo triste/no sertão, se faz luar/parece até que a alma da lua descansa/escondida na garganta/desse galo a soluçar/ah, quem me dera/eu morresse lá na serra/abraçado a minha terra/e dormindo de uma vez/ser enterrado numa grota pequenina/onde a tarde a sururina/ chora a sua viuvez/não há, oh! gente. oh! não/luar como esse do sertão”


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