quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

 Augusto Linhares - Médico e Poeta Cearense

" O café, tal qual o Amor
Que toma conta da gente ,
Deve ter cheiro e sabor ,
E ser forte , doce e quente !
O teu cigarro um conselho
Ardendo, te dá, um só,
Que vale todo o Evangelho :
- Também serás fumo e pó.
Quer seja praga ou consolo
Frase tão certa não há:
- Ao sabido e mesmo ao tolo ,
O seu dia chegará.
Vida de rico é cinema
Colorido , corre em trilhos ;
A do pobre é fita em série:
Filhos , filhos e mais filhos.
Nesta vidinha cansada ,
Ando há muito a meditar :
Como é bom não fazer nada
Para depois descansar ! .
Na vida de toda a gente ,
Quanta gente a gente vê !
Na minha vê- se somente
Você, você, só você !
Tem a nova Medicina
Tais progressos alcançado,
Que o doente quando morre
Já está quase curado . "
Augusto Linhares : Nasceu em 24 de novembro de 1879 , filho de Francisco Alves Linhares e Josefa Felicio Linhares , na cidade de Baturite - Ceará. Graduou -se em medicina na tradicional Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro . Inquieto , viajou pelo mundo em busca de saberes em hospitais de Paris , Viena , Berlim e Nova York.
Dedidou- se ainda a belas artes e letras . Por conta de produzir poesia humorística foi cognominado de " o Fradique Mendes do bisturi " .
Augusto Linhares faleceu no dia 21 de outubro de 1963 .
Ponto Final.

sábado, 29 de novembro de 2025

 1968 - Limiar de um Sonho

Como outros acontecimentos históricos, o ano de 1968 , instalou - se avassalador , pegando a todos de surpresa e trazendo em seu bojo , mudanças comportamentais , políticas, sexuais e éticas. Pindorama , desde 1964 encontrava - se sob um severo regime militar implantado através de um Golpe de Estado . A morte do estudante secundarista paraense, Edson Luiz , no dia 28 de março de 1968 , no restaurante universitário " Calabouço " , no Rio de Janeiro, foi o estopim para gigantescas passeatas de protestos contando com cerca de 100.000 cidadãos indignados e acordando de vez o Brasil de norte a sul.
Palavras de ordem eram gritadas pela multidão : " O povo unido jamais será vencido" .
" Nesse luto começa nossa luta " .
Um discurso na Câmara dos Deputados proferido pelo parlamentar Márcio Moreira Alves , levava a inocente proposição de boicote à parada de 7 de setembro, e sugeria que nos bailes em comemoração à Independência , as moçoilas desprezassem o convite dos cadetes para uma dança . A Câmara negou um pedido de punição ao incauto deputado ( 216 votos contra , 141 a favor , e 24 abstenções ). O Alto Comando Militar sob as ordens do Marechal linha - dura Arthur da Costa e Silva , edita o brutal Ato Institucional número 5 , dando início a uma repressão total com intervenção nos estados , cessação de mandatos e suspensão de direitos individuais. De quebra , a truculenta medida promove o fechamento do Congresso , com cassação de 110 deputados estaduais , 163 vereadores, 22 prefeitos , e 4 ministros do Supremo Tribunal Federal . Dentre as milhares de prisões, destaque às figuras de Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda , e o Marechal Henrique Teixeira Lott.
O Trigésimo Congresso Nacional da UNE realizado clandestinamente em Ibiúna, em São Paulo , tem como epílogo a prisão de 700 rapazes e moças. Na bucólica Forteleza de Nossa Senhora de Assunção, distante do caldeirão de Rio - São Paulo, um grupo de 148 estudantes de medicina da Universidade Federal do Ceará, tomam as primeiras aulas . de " professores " , alunos mais adiantados no curso médico. Eles programavam as famigeradas passeatas - relâmpago em logradouros como as Praças do Ferreira e José de Alencar . Os protestos terminavam , quase sempre, apenas em sustos e correrias, sem feridos ou prisões.
O melhor estava guardado para quando a noite cobria com seu manto a cidade , onde a galera migrava para a incipiente Avenida Beira - Mar, em busca do Bar do Anísio , frequentado por artistas da terra ainda em busca da fama ( Belchior, Ednardo , Fausto Nilo, Fagner , dentre outros ) .Muitos jovens seguiam rumo ao vizinho bairro do Farol , com as suas " ruas da frente e detrás " pejadas de bares e cabarés, como o famigerado " Forró da Bala " . Naquele exótico laboratório social a céu aberto, esporadicamente , dava - se de cara com algumas figuras de mestres da faculdade, o que nos causava a um só tempo , espanto e admiração.
Para nós que integramos a Turma 21 da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará ( 1973 ) , que iniciamos nossa jornada naquele sabático ano , 1968 , não foi " um ano que não terminou ", e sim o marco - zero de nossa vida acadêmica de futuros filhos de Hipócrates, que há mais de meio século ainda seguimos pelejando pelos árduos caminhos da vida , cientes de que fomos bafejados pela sorte e , por isso , agradecemos a Deus por esta dádiva. Enfim , emergimos íntegros.
" Na Beira - Mar , entre luzes que lhe escondem / só sorrisos me respondem/ que eu me perco de você/ que eu me perco de você/ você não viu a lua cheia que eu guardei / a lua cheia que eu esperei/ você nem viu/ você nem viu / viva o som , velocidade/ forte praia minha cidade / só o meu grito nega aos quatro ventos / a verdade que eu não quero ver / e o seu gosto que ficando em minha boca / vai calando a voz já rouca / sem mais nada pra dizer / sem mais nada pra dizer/ e eu fugindo de você/ outra vez me desculpando/ é a vida, é a vida / simplesmente e nada mais/ e um gosto de você que foi ficando / e a noite enfim findando/ igual a todas as demais/ e nada mais e nada mais / meu amor na Beira- Mar / entre luzes se escondem/ só sorrisos me respondem/ e nada mais e nada mais/".
Canção " Beira - Mar , da autoria de Ednardo .
Esculápio, o deus da Medicina | Centro Cultural da Saúde

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

 O MAR

" ...Eu vi, Senhor, o mar sombrio e furioso , investir contra os rochedos .
De longe as vagas tomavam o impulso, orgulhosas , de pé, saltavam , atropelavam - se umas às outras , para tomarem a frente e serem as primeiras a bater .
Vi, outro dia , o mar calmo e sereno.
Vinham de muito longe as ondas , tomavam carreira , elevavam - se orgulhosas , brincavam , saltavam e atropelavam - se umas às outras, para tomarem frente e serem as primeiras a bater .
E quando a alva espuma se desmanchava, deixando intacta a rocha, tinham partido as vagas , correndo para de novo se lançarem.
Vi , outro dia , o mar calmo e sereno .
Vinham de muito longe as ondas de bruços rastejando , para não chamar a atenção. Dando - se as mãos, ajuizadas , deslizavam sem ruído e espraivam - se á vontade na areia , para tocar a orla , com a ponta de seus formosos dedos de espuma.
Faze , Senhor , que eu evite as pancadas sem rumo que cansam e magoam, e não atingem o inimigo. Afasta de mim as cóleras espetaculares, que chamam a atenção mas deixam inutilmente enfraquecido.
Não permitas que orgulhosamente eu queira sempre preterir os outros , esmagando, ao passar, os que vão à frente .
Apaga do meu rosto o ar sombrio das tempestades vencedoras .
Ao contrário, Senhor , faze que calmamente , eu preencha os meus dias , tal como o mar lentamente recobre toda a praia .
Faze - me humilde como o mar, quando silencioso e ameno avança sem se fazer notar .Dá- me a graça de esperar os meus irmãos, medir os meus passos pelos deles , para com eles subir .
Concede - me a perseverança triunfante das ondas .
Faze que cada um dos meus recuos seja ocasião de subida .
Dá a meu rosto a claridade das águas límpidas, à minha alma a brancura da espuma;
Ilumina a minha vida como os raios do Teu sol fazem cantar o espelho das águas. Mas , sobretudo, Senhor , faze que eu não guarde para mim esta Luz , e que todos os que de mim se aproximem voltem a casa ávidos de se banharem na Tua graça Eterna ."
Poema O Mar , da autoria de Michel Quoist ( 1921 - 1997 ) .

terça-feira, 18 de novembro de 2025

 Um Encontro com Rachel de Queiroz- 1968

1968 , o ano que não terminou . O mundo galopava a mil levantando densa poeira que demandaria tempo para baixar .A ampulheta que recolheu da superfície terreal , figuras como , Martin Luther King e Robert Kennedy, também deu azo a conflitos como a sangrenta Guerra do Vietnam .
Na bucólica Loura Desposada do Sol , um bando de álacres estudantes revoava rumo ao Colégio Militar de Fortaleza , para dar início à guerra do vestibular de Medicina da Universidade Federal do Ceará : coisa de cerca de 900 candidatos para 100 vagas . Era 05 de janeiro de 1968 .
Primeira Prova de Português, com caráter eliminatório . Os cursinho dos Colégios Castelo Branco , e Cearense , faziam um esforço grande para adivinhar o autor do texto da famigerada redação.
A escolhida desta feita foi a cearense Rachel de Queiroz ( 1910 - 2003 ) , com o poema " A Telha de Vidro " :
" Quando a moça da cidade chegou / veio morar na fazenda/ na casa velha.../ tão velha ! / quem fez aquela casa foi o bisavô../ deram - lhe para dormir a camarinha / uma alcova sem luzes , tão escura ! / mergulhada na tristura/ de sua treva e de sua única portinha / a moça não disse nada/ mas mandou buscar na cidade/ uma telha de vidro .../ queria que ficasse iluminada / sua camarinha sem claridade .../ agora/ o quarto onde ela mora / é o quarto mais alegre da fazenda/ tão claro que , ao meio dia , aparece uma/ renda de arabesco de sol nos ladrilhos/ vermelhos/ que - coitados - tão velhos / só hoje é que conhecem a luz do dia .../ a luz branca e fria / também se mete às vezes pelo clarão/ da telha milagrosa .../ ou alguma estrela audaciosa / carreteia/ no espelho onde a moça se penteia/ que linda camarinha ! Era tão feia/- você me disse um dia / que sua vida era toda escuridão/ cinzenta/fria /sem um luar , sem um clarão../ por que você não experimenta?/ a moça foi tão bem sucedida .../ ponha uma telha de vidro em sua vida !/
Eis , cruamente, a outra face da grande dama da Literatura Brasileira , da safra nordestina de 30, Rachel de Queiroz.
" Sou como o vento , passo . Mas não sem balançar as folhas ."
Cumpriu o prometido : balançou !
Depois do susto da estudantada , era soltar a pena , de preferência com a letra de " não- médico" , aquele horror que ninguém decifra , e tentar agradar a banca examinadora .
Um exemplo hipotético:
"Telha de Vidro trata - se de um poema que verbaliza, numa linguagem coloquial , versos livres , pois não respeitam métricas ; e versos brancos sem rimas . O eu - lírico põe rumo a quem quiser alumiar " seu quarto escuro " , suas entranhas , ou depósito de guardar " quinquilharias inacessíveis " , deixando penetrar os raios vivificante da razão. Ufa !
Seguimos nós, viagem pelo rés- do - chão, já alcançando 53 anos . Irmãos e cúmplices, de braços dados , numa íngreme vereda , com os pés descalços empoeirados , as mãos cobertas de calos , nuas, mas limpas .Trazemos ouro , sim, apenas no olhar , e muita , muita prata nos cabelos , tintos pelo orvalho da noite . É essa a nossa fortuna. Deste modo , queremos um dia distante nos apresentar na Mansão dos Bons e dos Justos , apoiados em nosso cajado , e dizer humildemente :
" Senhor , eis seu pequeno fruto, que pelejou pelo mundo afora consolando almas, lancetando feridas , receitando meizinhas e realizando curas com Sua intercessão, agora buscando Seu regaço eterno. Conceda- nos o perdão pelo não- feito ou pelos momentos em que fraquejamos " .
E por fim , dai- nos a paz ! .
Aos queridos e nobres irmãos da Turma de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Ano de 1973 .
Quanta Saudade!

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

 Domingo no Parque do Rio Cocó

Parque Adahil Barreto situado na margem esquerda do rio Cocó . Da nascente , na serra da Aratanha , no Município de Pacatuba , à foz, no Oceano Atlântico, nos limites das praias do Caça e Pesca e de Sabiaguaba , o Rio Cocó percorre 48 Km , passando pelos municípios de Maracanaú, Itaitinga e Fortaleza .
O topônimo Cocó é o plural de Có , que significa Roça , fazendo alusão às roças dos povos indígenas que plantavam nas vazantes do rio .
Roberto Pontes , nascido em Fortaleza , cursou Direito ( 1964 ) , e Mestrado em Literatura Brasileira ( 1991 ) . Poeta , crítico, ensaísta e tradutor , é autor de um plural e mimoso :
" Lamento do Rio Raivoso "
Esta água
Onde um tronco vai
Não é água
É sangue
Esse rio que corre
Não é rio
É rei coroado de pontes
Essas conchas
Que servem de leito
Não são ostras.
São ossos trazidos dos mangues
Essa nascente do rio Cocó
Só pode ser dois olhos
Muito grandes
Chorando a vida toda
Por ter nascido rio
E não fuzil.
Ponto Final

sábado, 15 de novembro de 2025

 Elogio da Sombra - Jorge Luis Borges

" A velhice ( tal é o nome que os outros lhe dão)
Pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua almas .
Vivo entre formas luminosas e vagas
Que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
Que antes se espalhava em subúrbios
Em direção à planície incessante,
Voltou a ser La Recoleta, o Retiro ,
As imprecisas ruas do Once
E as precárias casas velhas
Que ainda chamamos o Sul .
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas ;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar ;
O tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
Flui por um manso declive
E se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto ,
As mulheres são aquilo que foram há tantos anos ,
As esquinas podem ser outras ,
Não há letras nas páginas dos livros .
Tudo isso deveria atemorizar- me ,
Mas é um deleite , um retorno .
Das gerações dos textos que há na terra
Só terei lido uns poucos,
Os que continuo lendo na memória,
Lendo e transformando.
Do Sul, do Leste , do Oeste , do Norte
Convergem os caminhos que me trouxeram
A meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos ,
Mulheres, homens, agonias ,ressurreições,
Dias e noites ,
Entressonhos e sonhos,
Cada ínfimo instante de ontem
E dos ontens do mundo,
A firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
Os atos dos mortos ,
O compartilhado amor , as palavras ,
Emerson e a neve e tantas coisas .
Agora posso esquecê-las. Chego ao meu centro,
A minha álgebra e minha chave ,
A meu espelho.
Breve saberei quem sou ."
"Elogio da Sombra" , poesia da autoria do gigante argentino , Jorge Luis Borges (1899 - 1986 ) , escritor , poeta , tradutor, crítico literário e ensaísta, considerado um dos maiores escritores do século XX.