Carruagem do Sol Riscando o Céu no Mucuripe
Se falo dela como de um ente
É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens
Que dá personalidade às cousas,
E impõe nome às cousas.
Mas as cousas não têm nome nem personalidade :
Existem, e o céu é grande e a terra larga ,
E o nosso coração do tamanho de um punho fechado ...
Bendito seja eu por tudo quanto sei .
Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol "
" Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes ,
E os filósofos são homens doidos .
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar .
Mas as flores ,se sentissem , não eram flores ,
Eram gente ;
E se as pedras tivessem alma , eram cousas vivas , não eram pedras ;
E se os rios tivessem êxtases ao luar ,
Os rios seriam homens doentes .
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles .
Falar da alma das pedras, das flores , dos rios ,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras só são pedras .
E que os rios não são senão rios ,
E que as flores são apenas flores .
Por mim , escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora ;
E não a compreendo por dentro;
Senão não era a Natureza ".
Poesia do bardo português Fernando Pessoa ( 1888 - 1935 ) .
Foto que ilustra o poema : fim de tarde deste
sábado no Mucuripe, Fortaleza.
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