quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Wilson Batista - A malandragem que não existe mais


“Eu fui fazer um samba em homenagem/ à nata da malandragem , que conheço de outros carnavais / eu fui à Lapa e perdi a viagem/que aquela tal malandragem não existe mais / agora já não é normal , o que dá de malandro regular profissional / malandro com aparato de malandro oficial / malandro candidato a malandro federal /malandro com retrato na coluna social/ malandro com contrato , com gravata e capital/que nunca se dá mal / mas o malandro , pra valer , não espalha , aposentou a navalha / tem mulher e filho e tralha e tal / dizem as más línguas que ele até trabalha / mora lá longe e chacoalha num trem da central“.
Chico Buarque 


“Acertei no milhar / ganhei 500 contos / não vou mais trabalhar / e me dê toda a roupa suja aos pobres / e a mobília podemos quebrar / isto é pra já / plaque- te – plaque / Etelvina / vai ter outra lua – de – mel / você vai ser madame / vai morar num grande hotel / eu vou comprar um nome não sei onde / de marquês / Dom Morangueira / de visconde / um professor de francês , mon amour / eu vou trocar seu nome pra Madame Pompadour / até que enfim agora eu sou feliz / vou percorrer a Europa toda até Paris / e os nossos filhos , hein ? / - oh , que inferno ! / eu vou pô-los num colégio interno / telefone pro Mané do armazém / porque eu não quero ficar devendo nada a ninguém/ e vou comprar um avião azul/ para percorrer a América do Sul / mas de repente / Etelvina me chamou/ está na hora do batente / Etelvina me acordou / foi um sonho minha gente“
Wilson Batista 

   O malandro, figura do morro e do asfalto, de ontem e de hoje, com outros trajes e outras manhas, mas sempre o mesmo camaleão: esperto, capadócio, ladino, vigarista, mulherengo, vagabundo, vivaldino, pilantra, mala e gaiato. Podem se servir à vontade. Habita todos os rincões deste meu Brasil brasileiro, mas, sua concentração faz- se, mais amiúde, no Planalto Central. Uns falam em clima propício, outros em maldição mesmo. Chico Anísio, nosso gênio caboclo, de cabeça chata, espeta:
“É um polícia pra prender / um delegado pra autuar / um promotor para fazer a caveira / um juiz pra condenar / um carcereiro pra tomar de conta / e um advogado pra soltar “. E, estamos conversados! 

   Aqui na Fortaleza Bela , com B , pelos idos dos anos 50 do século passado , no Abrigo Central , localizado na Praça do Ferreira , ou nas adjacências , em pensões alegres , era fácil encontrar aqueles cavalheiros cadavéricos , fumantes inveterados, ombros encurvados , portando olheiras fundas , unhas amareladas pelo esmalte podre da nicotina , exibindo roupa branca ,sem serem médicos , dentistas ou barbeiros , jogando conversa fora , contando vantagens de uma vida rica de boemia e pobre de grana. Literalmente, morrendo teso, mas sem perder a pose. Malandro em carne e osso, talhado com o cinzel do sofrer. Wilson Batista (1913 – 1968): Nasceu em Campos, no Rio de Janeiro, filho de um guarda municipal. Teve infância pobre e com escassa formação escolar. Trabalhou como eletricista e contra - regra no Teatro Recreio. Tomou suas aulas da vida e graduou – se como malandro profissional nos famosos cabarés da Lapa. Compôs seu primeiro samba (Na estrada da vida), aos 16 anos de idade. Fez a apologia do malandro no samba “lenço no pescoço“: 

Meu chapéu do lado/ tamanco arrastando / lenço no pescoço / navalha no bolso/ eu passo gingando / provoco e desafio/ eu tenho orgulho / em ser tão vadio/ sei que eles falam de meu proceder / eu vejo quem trabalha / andar no miserê / eu sou vadio / porque tive inclinação / eu me lembro , era criança/ tirava samba – canção / comigo não / eu quero ver quem tem razão.

   Noel Rosa (com 23 anos) estabeleceu uma polêmica musical com Wilson Batista (com 20 anos), coisa de jovens malandros maneiros. Assim surgiu, o “Rapaz folgado“: 

Deixa de arrastar o teu tamanco / pois tamanco nunca foi sandália / e tira do pescoço o lenço branco/ compra sapato e gravata / joga fora esta navalha que te atrapalha / com chapéu de palha deste rata / da polícia quero que escapes / fazendo um samba – canção/ já te dei papel e lápis / arranja um amor e um violão / malandro é palavra derrotista / que só serve para tirar / todo o valor do sambista / proponho ao povo civilizado / não te chamar de malandro / e sim de rapaz folgado.

   Wilson Batista deu prosseguimento a porfia com um mal humorado “Frankenstein da Vila “, mas como bons malandros, Noel e Wilson, fizeram as pazes e terminaram como parceiros. Ataulfo Alves, Haroldo Lobo, Geraldo Pereira, Moreira da Silva, ajudaram na divulgação do trabalho de Wilson Batista, que vendeu em bares muito samba para se manter na corda bamba da orgia. Compôs, dentre outros sucessos a música “Louco “: 

“Louco, pelas ruas ele andava / o coitado chorava / transformou- se até num vagabundo / louco , para ele a vida não valia nada / para ele a mulher amada / era seu mundo / conselhos eu lhe dei / para ele esquecer aquele falso amor /ele se convenceu / que ela nunca mereceu / nem reparou / sua grande dor / que louco “ . 

   Noel Rosa, com Feitiço da Vila, confeccionou um retrato para pôr na parede da antologia do samba, que, depois, Wilson Batista tentou minimizar, mas tudo por conta, ainda, da bendita polêmica musical. Ao longo do tempo outras brigas deram um tempero ao mundo da música popular brasileira com Dalva de Oliveira x Herivelto Martins e Paulinho da Viola x Benito de Paula. Feitiço da Vila, de Noel Rosa: 

“ Quem nasce lá na Vila / nem sequer vacila / em abraçar o samba / que faz dançar os galhos / do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo / lá em Vila Isabel / quem é bacharel / não tem medo de bamba / São Paulo dá café , Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba / a Vila tem um feitiço sem farofa / sem vela e sem vintém que nos faz bem / tendo nome de princesa / transformou o samba / num feitiço descente que prende a gente / o sol da vila é triste / samba não assiste / porque a gente implora / sol pelo amor de Deus / não vem agora/ que as morenas vão logo embora / eu sei tudo o que faço / sei por onde passo / paixão não me aniquila / mas tenho que dizer / modéstia à parte / meus senhores , eu sou da Vila .

   Wilson Batista, tentou corrigir o poeta da Vila com uma “Conversa fiada:

“ É conversa fiada dizerem que a Vila tem feitiço / eu fui ver para crer e não vi nada disso / a Vila é tranquila porém eu vos digo : cuidado ! / antes de irem dormir deem duas voltas no cadeado / eu fui à Vila ver o arvoredo se mexer e conhecer o berço dos folgados / a lua essa noite demorou tanto / assassinaram o samba / veio daí o meu pranto “

   H. Balzac (1799–1850) e J.J. Rousseau (1712–1778) “frequentaram “letras de músicas de Wilson Batista, talvez citados por algum notívago intelectual, parceiro de mesa de bar:

“Balzaquiana“:
Não quero broto / não quero , não quero , não / não sou garoto pra viver mais ilusão / sete dias na semana / eu prefiro ver minha balzaquiana / o francês sabe escolher / por isso ele não quer qualquer mulher / papai Balzac já dizia /Paris inteira repetia / Balzac acertou na pinta / mulher só depois dos trinta!
 
“Chico Brito“:
Lá vem o Chico Brito / descendo o morro nas mãos do Peçanha / é mais um processo/ é mais uma façanha / Chico Brito fez do baralho seu maior esporte / é valente no morro/ dizem que fuma uma erva do norte / quando menino teve na escola / jogando bola era capitão / mas a vida tem os seus reveses / diz sempre Chico defendendo teses / se o homem nasceu bom , e bom não se conservou / a culpa é da sociedade que o transformou .

   A frase de Rousseau diz: “O homem nasce livre, e por toda parte encontra – se a ferros. Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem“. 
Wilson Batista, um boêmio verdadeiro, mulato e pobre , trabalhando como fiscal da União Brasileira de Compositores (UBC), conheceu a morte em 1968, aos 55 anos, de problemas cardíacos e encontra–se enterrado no Cemitério de Catumbi, no Rio de Janeiro.

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