Corria o ano de 1936 e acontecimentos importantes retalhavam a velha Europa: A Revolução da Espanha com o Generalíssimo Franco e os Jogos Olímpicos da Alemanha de Adolf Hitler, manchados pelas sementes do antissemitismo e do racismo. Duas pragas simultâneas é muito! Cruz, credo!
Aqui em Pindorama, curtindo Getúlio Vargas, mas longe das agruras dos irmãos do Norte, o boêmio, radialista, humorista, compositor popular e “rei do carnaval“, Lamartine Babo (1904- 1963), o Lalá, fazia das suas, jogando lantejoulas em versos para o povo, e, principalmente para seus cantores prediletos, Mario Reis, Carmen Miranda e Francisco Alves, o eterno Chico Viola, rei da voz.
Certa ocasião Lalá recebeu uma ardente carta de uma fã de nome Nair Pimenta de Oliveira da cidade mineira de Dores da Boa Esperança. Que denominação prosaica! O malandro logo abriu o compartimento do peito onde guardava a paixão, por conta da missiva e do belo nome da cidade. Um amor a primeira vista, ou às primeiras linhas, do tipo platônico. Permaneceu, assim, por um ano a trocar confidências com Nair, que num belo dia, exibiu um cartão vermelho para Lalá, posto que, em breve, ela iria contrair matrimônio. Para o boêmio, desilusão, mais uma e felicidade, nenhuma!
Em meados de julho de 1936, seguiu Lalá para a dita Serra da Boa Esperança, desta feita, a convite de um cirurgião-dentista da cidade, Carlos Alves Netto. Logo chegando àquele território minado, rogou ao Tiradentes caboclo um breve, que fosse, encontro com Nair. Cheio de salamaleques, Carlos tentou explicar a Lalá que Nair não existia, que Nair não era Nair, e sim, Carlos. Ele já enviara várias correspondências para Lalá, sem contudo obter respostas. Assim inventou Nair, que de fato era sua sobrinha de seis anos. Malandro que é malandro não perde a pose e nem a viagem. Assim nasceu, filha da desilusão amorosa, a canção-queixume que se eternizou na voz de veludo de Chico Viola, Serra da Boa Esperança:
Serra da Boa EsperançaEsperança que encerra...
No coração do Brasil
Um punhado de terra!
No coração de quem vai...
No coração de quem vem...
- Serra da Boa Esperança
Meu último bem!
Parto levando saudades
Saudades deixando
Murchas , caídas na serra
Lá perto de Deus!
Ó minha serra eis a hora
Do adeus ... vou - me embora...
Deixo a luz do olhar
No teu luar...
Adeus! .
Levo na minha cantiga
A imagem da serra...
Sei que Jesus não castiga
Um poeta que erra...
Nós os poetas erramos
Porque rimamos também
Os nossos olhos
Nos olhos de alguém
Que não vem!
Serra da Boa Esperança
Não tenhas receio!
Hei de guardar tua imagem
Com a graça de Deus...
Ó minha serra eis a hora
Do adeus ... vou - me embora...
Deixo a luz do olhar
No teu luar
Adeus! ...
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