“A vida
não é só gozar. Mas também não é só sofrer “. Assim achava, Barão de Itararé,
um homem de múltiplos talentos. Jornalista, intelectual, humorista, comunista, “avô
e pai “de gente como Millôr Fernandes, Stanislaw Ponte Preta, Henfil e outros.
Nascido no século XIX, atuando com gozo no século XX e ainda vivo, muito vivo
em pleno século XXI.
Fernando
Aparício Brinkerhoff Torelly, Apporelly ou Barão de Itararé, chegou ao mundo em
29 de janeiro de 1895, fazendo barulho numa carruagem em um percurso entre o
Rio Grande do Sul e o vizinho Uruguai. Sua mãe, Maria Amélia Brinkerhoff, era
descendente de índios charruas; o pai, João da Silva Torelly, filho de italiano.
Aos dois anos de idade, o menino Aparício ficou órfão de mãe. Motivo: auto- agressão.
A criação do petiz foi transferida para os avós no Uruguai, onde o mesmo
permaneceu até completar sete anos. Em 1905, o garoto segue para um colégio em
regime de internato sob a orientação de jesuítas alemães em São Leopoldo no Rio
Grande do Sul. Em 1911, aos 16 anos, o futuro Barão lança um jornal singular,
feito a mão, com um único exemplar, nominado “O Capim Seco “. Confiscado pelo
diretor do colégio, a quem era dirigido o pasquim. Dizia o precoce jornalista: “Não
sou apóstolo. Meu apostolado é o lado oposto “. Mais adiante, Apporelly
frequentou uma Faculdade de Medicina, porém, não chegou a concluir o curso.
Nessa época colaborava com alguns jornais e revistas, sempre com um humor ácido
e inteligente. Perambulou por várias cidades, como, Pelotas, Alegrete, Bagé,
Uruguaiana até, finalmente, definir pouso no Rio de Janeiro. Em 1925, sérios
problemas de saúde acometeram o futuro Barão: diversos episódios sugestivos de
Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico, incomum num jovem de 30 anos de idade.
Nesta quadra, a convite do jornalista Mário Rodrigues, pai
do dramaturgo e polêmico Nelson Rodrigues, passou Apporelly a integrar o
quadro do Jornal “A Manhã “. Durou pouco: No ano seguinte pede licença do
“A Manhã “e lança o jornal “A Manha “- Um órgão de ataque ... De risos “.
Em 1929, Assis Chateabriand, o futuro magnata das comunicações, leva Apporelly
para o Jornal Diário da Noite, órgão de apoio à candidatura de Getúlio Vargas a
presidente da república em 1930. Não podia dar certo. Uma vez mais Apporelly
pula fora do barco. Neste período corria a boca – miúda que ele estaria
apoiando o comunista Cavaleiro da Esperança Luiz Carlos Prestes. Este tinha
como proposta reduzir a carga de trabalho para 8 horas. Apporelly falava: “o
trabalho foi algo inventado por quem não tinha nada o que fazer “. Por isso
defendia a redução de jornada para zero – hora “. Em virtude da derrota de
Getúlio Vargas, deu- se a eclosão da Revolução de 30. Os gaúchos não
apoiavam o dito movimento e deste modo havia uma possibilidade de
confronto numa cidade, Itararé, na divisa com o Paraná com forças militares
paulistas. Uma batalha que nunca houve. Apporelly dando asas à imaginação, espalhou
que fora um herói em Itararé. Por conta da proeza recebera um
título de Duque, e que por modéstia trocou por um de Barão: Barão de Itararé.
Nesta quadra teve intimo contato com a cadeia por conta da radicalização da política reinante de apoio ao fascismo. Em 19 de outubro de 1934, o Barão foi sequestrado por oficiais da Marinha Brasileira em decorrência da publicação na “Manha“ de uma biografia do marinheiro João Cândido, herói da Revolta da Chibata. Conhecido como Almirante Negro, João comandara um motim para pôr fim a maus - tratos em navios da Marinha Brasileira. Fora prometido uma anistia que acabou dando em prisão para 441 insurgentes, todos enviados para o estado do Acre. Para o presídio na Ilha das Cobras foram enviados 18 marinheiros. Na manhã seguinte, dia de natal, apenas um marinheiro havia sobrevivido: João Cândido. Um brutal massacre. Resultado: o Barão, por mexer em um assunto proibido, foi espancado, teve a cabeça raspada e deixado despido em plena rua. Por conta do episódio o Barão afixou na porta de sua sala na redação do jornal: “Entre sem bater“.
Nesta quadra teve intimo contato com a cadeia por conta da radicalização da política reinante de apoio ao fascismo. Em 19 de outubro de 1934, o Barão foi sequestrado por oficiais da Marinha Brasileira em decorrência da publicação na “Manha“ de uma biografia do marinheiro João Cândido, herói da Revolta da Chibata. Conhecido como Almirante Negro, João comandara um motim para pôr fim a maus - tratos em navios da Marinha Brasileira. Fora prometido uma anistia que acabou dando em prisão para 441 insurgentes, todos enviados para o estado do Acre. Para o presídio na Ilha das Cobras foram enviados 18 marinheiros. Na manhã seguinte, dia de natal, apenas um marinheiro havia sobrevivido: João Cândido. Um brutal massacre. Resultado: o Barão, por mexer em um assunto proibido, foi espancado, teve a cabeça raspada e deixado despido em plena rua. Por conta do episódio o Barão afixou na porta de sua sala na redação do jornal: “Entre sem bater“.
João Bosco e Aldir Blanc , mais
adiante, fizeram a música “O mestre Sala dos Mares“ , na
versão original proibida pela outra censura:
“ Há muito tempo nas águas da Guanabara / o dragão do mar reapareceu /
na figura de um bravo marinheiro / a quem a história não esqueceu / conhecido
como almirante negro / tinha a dignidade de um mestre sala / e ao navegar pelo
mar com seu bloco de fragatas / foi saudado no porto pelas mocinhas francesas /
jovens polacas e por batalhões de mulatas / rubras cascatas jorravam das costas
dos negros pelas pontas das chibatas / inundando o coração de toda tripulação /
que a exemplo do marinheiro gritava então / glória aos piratas , às mulatas ,
às sereias / glória à farofa , à cachaça , às baleias / glória a todas as lutas
inglórias / que através da nossa história / não esquecemos jamais / salve o
almirante negro que tem por monumento / as pedras pisadas no cais / mas faz
muito tempo“
Por conta da fracassada “Intentona
Comunista “, em 1935, o Barão passou outra temporada hospedado por cortesia da
ditadura getulista. Inicialmente no navio – prisão Pedro I e depois no Presídio
Frei Caneca. O livro “Memórias do Cárcere “, de Graciliano Ramos, conta
episódios da passagem do Barão naquelas dependências, entre as grades tentando
levantar o ânimo dos parceiros na dor: “– Tudo vai bem. Não há motivo para receio.
O que pode nos acontecer? Somos postos em liberdade ou continuamos presos. Se
nos soltam; ótimo: é o que desejamos. Se ficamos presos, deixam- nos com processo
ou sem processo. Se nos processam, ótimo: faltam provas e aí, cedo ou tarde nos
mandam embora. Se nos processam, seremos julgados, absolvidos ou condenados. Se
nos absolvem, ótimo: nada melhor, esperávamos isso. Se nos condenam, nos darão
uma pena leve ou pena grande. Se for leve, ótimo: descansaremos algum tempo
sustentados pelo governo, depois iremos para a rua. Se for pena grande, seremos
anistiados ou não. Se formos anistiados, ótimo: é como se não tivesse havido condenação.
Se não nos anistiarem, cumpriremos a sentença ou morreremos. Se cumprirmos a sentença,
ótimo: depois voltaremos para casa. Se morrermos, iremos para o céu ou para o inferno.
Se formos para o céu, ótimo: é a suprema aspiração de cada um. Se formos para o
inferno não há porque nos alarmarmos: é uma desgraça que pode acontecer com
qualquer um, preso ou em casa “. E, deste modo o Barão ia até o infinito
como nas “Mil e uma noites“ persas. Um ano e meio depois, veio a esperada anistia.
Em 1940 perde a esposa, Juracy, junto com um
filho num acidente de parto malogrado. Em 1945, relança “A Manhã “em
parceria com Arnon de Mello, pai de um outro Fernando, o futuro “Caçador de
Marajás “. O Barão, talvez imitando Fernando Pessoa, o terno poeta, colecionava
vários pseudônimos gaiatos, como Paty Farias, Pintey Ossete e Zhero Aiskerda.
Em 1947, candidatou-se a vereador do
Rio de Janeiro pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) com o seguinte slogan:
“Mais água e mais leite, mas menos água no leite “. Em 1948 deu–se a cassação
em massa aos parlamentares comunistas. O Barão assim se despediu na tribuna,
indo em direção ao banheiro: “Saio da vida pública para entrar na privada “. Em
1950, O Barão relança “A Manha“ e os famigerados “Alamanhaques“. Por toda a
década de 50 segue ativo e com novas parcerias de peso, no jornal “Paratodos “
de Álvaro Moreira, com Jorge Amado, Mário de Andrade, Di Cavalcanti e Oscar
Niemeyer. Este Oscar, o último comunista a sumir da face da terra.
Em 1964, uma vez mais, o Barão sofre um novo
golpe do destino, o suicídio de sua esposa, Aída. Isola – se por fim
num apartamento, acompanhado de livros em profusão - amigos pra toda hora -, e por
formigas e baratas, treinadas para lhe obedecerem. Parou de bulir com os outros
-que pena-, no dia 27 de novembro de 1971, e foi enterrado no Cemitério São
João Batista, no Rio de Janeiro. Se cá entre nós ainda vivesse, o Barão de Itararé
estaria a produzir três fornadas de jornais diários, tamanha a riqueza
de material explosivo disponível. É Barão! “Este mundo é redondo,
mas está ficando muito chato “sem sua picardia, verve e irreverência. Encerro
com uma saudação do poeta chileno Pablo Neruda ao grande Barão:
“ Al Baron de Itararé,
Un grande entre los grandes,
Con respeto le saluda
De pie
El poeta de los Andes
Neruda“.
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