“Confete / pedacinho colorido de saudade/ ai, ai , ai ,ai / ao te ver
na fantasia que usei / confete / confesso que chorei/ chorei porque lembrei/ o
carnaval que passou / daquela colombina que comigo brincou / ai , ai , confete/
saudade do amor que se acabou “. DavidNasser .
A beleza de um verso pode ter a
leveza de uma pluma ou rolar de uma só lágrima, não importa, mas carece tocar
fundo nos sentimentos : “Confete,
pedacinho colorido de saudade“ (David Nasser) ; “Tire o seu sorriso do caminho
que eu quero passar com a minha dor “ (Nelson Cavaquinho); “Mas a lua , furando o nosso zinco, salpicava de
estrelas nosso chão, e tu pisavas nos
astros distraída“ (Orestes Barbosa) .Simples pérolas de nossa MPB.
1938: Assis Chateaubriand , o magnata da
imprensa do Brasil do século XX adquire a revista Cruzeiro , ainda sem o artigo “O“, com financiamento público aprovado pelo presidente Getúlio Vargas.
Grandes nomes do jornalismo brasileiro desfilaram pela história da maior revista brasileira, antes do advento do
semanário “Veja“ : Rachel de Queiroz ,
Manuel Bandeira , Carlos Heitor Cony , Rubem Braga , Antônio Maria, Millôr Fernandes e David Nasser , dentre outros .
David Nasser (1917-1980), “o
turco“ , paulista, filho de libaneses, mentiroso, vingativo e reacionário , mas , em contra partida, poeta, cronista , compositor , enfim , um grande trabalhador da palavra .
Integrante da equipe da Revista O Cruzeiro a partir de 1943 e cercado de gigantes , ele mesmo afirmava ter verdadeira paixão pelas “pretinhas “, que era como se referia às teclas de sua
máquina de escrever. Quando umanotícia mostrava pouca
relevância, David dava asas à
imaginação e gerava algo de impacto. Aí morava operigo. Assim ocorreuem 1946,
quando o deputado Barreto Pinto , amigo
do ditador Getúlio Vargas , solicitou do repórter, uma matéria que causasse
sensação junto aos leitores . Deste modo,
David Nasser apresentou n’ O Cruzeiro, o nobre deputado elegantemente trajado de fraque e cartola ...vestindo uma prosaica cueca samba–canção.
Custo da ousadia : cassação do mandato do referido parlamentar por falta de decoro .
De outra feita, David forjou um furo de reportagem para a revista , com a pretensa foto da esposa de Chiang Kai–Shek,
líder máximo da China comunista , em visita ao Brasil, e que era totalmente
arredia à imprensa. A madame chinesa sempre negou a veracidade da
reportagem e , segundo fontes seguras, as fotos foram realizadas por Jean
Manzon , um francês radicado no Brasil , carne e unha com o turco, e tratava-
se do próprio David Nasser vestido de
quimono. Patifaria e galhofa , juntas , típicas do dito repórter
. Em outra oportunidade , a dupla Manzon –Nasser tentava sem sucesso uma entrevista com o
médium Chico Xavier. Chegaram aomestre espírita , inventando um nome falso de um
libanês e o outro de um francês , correspondentes de um grande jornal
estrangeiro. Realizaram a difícil façanha
da entrevista e partiram para a
publicação . Chegandoao hotel , abriram
o presente ofertado pelo médium. E tiveram umasurpresa incômoda : no oferecimento do livro constava
o nome de David Nasser e Jean Manzon e
não os fictícios dados a Chico . Verdade ou mentirada perigosa dupla? .
David Nasser, camaleão,
tirava da cartola, em meio ao atribulado
trabalho jornalístico, inspiração para
lapidar pérolas musicais: Nega do cabelo
duro, Confete , Pensando em ti , Vermelho 27 , Canta Brasil.
Um exemplo:“ Pensa ndo em ti “, imortalizado por Nelson
Gonçalves e uma bela oferenda ao deus Baco :
Eu amanheço pensando em ti / eu anoiteço pensando em ti/ eu não ti
esqueço/ é dia e noite pensando em ti / eu vejo a vida pela luz dos olhos teus
/ me deixe ao menos /por favor pensar em Deus / nos cigarros que eu fumo / te
vejo nas espirais / nos livros que tento ler /em cada frase tu estás / nas
orações que eu faço/eu encontro os olhos teus / me deixe ao menos por favor
pensar em Deus .
David Nasser, parceiro e amigo de
orgia de Herivelto Martins, tomou partido, como era de seu feitio , na grande
porfia que contagiou o meio artístico nacional na década de 50: a
separação tempestuosa da cantora Dalva
de Oliveira e do compositor e boêmio Herivelto Martins . Um assunto privado que
fugirado reduto das quatro paredes . Dalva deu o ponta – pé inicial na refrega : “ tudo acabado – J. Piedade “: tudo acabado
entre nós / já não há mais nada / tudo acabado entre nós/ hoje de madrugada /
você partiu e eu fiquei/ você chorou e eu chorei/ se você volta outra vez / eu
não sei/ nosso apartamento agora / vive
à meia-luz / nosso apartamento agora / já não me seduz / todo o egoísmo veio de
nós dois / destruímos hoje / o que podia ser depois .
Herivelto responde com o auxílio
das palavras venenosasde David Nasser: “
caminho certo“: Eu deixei o caminho certo
/ e a culpada foi ela / transformava o lar na minha ausência / em qualquer
coisa / abaixo da decência / compreendi que estava tudo errado/ e , amargurado
, parti perdoando o pecado / mas deixei o meu caminho certo/ e a culpada foi
ela/ sei agora que os amigos que outrora / sentavam à minha mesa / serviam sem
eu saber / o amor por sobremesa / acreditem , é muito fácil julgar/ a
infelicidade alheia / quando a casa não é nossa/ e é outro que paga a ceia .
Ataulfo Alves partiu
em defesa de Dalva e mandou um bilhete musical: “Errei, sim “: Errei , sim / manchei o teu nome / mas foste tu mesmo o culpado/
deixavas – me em casa / me trocando pela orgia / faltando sempre com a tua
companhia / lembro – te agora / que não é só casa e comida / que prende por
toda a vida / o coração de uma mulher/ as joias que me davas /não tinham nenhum
valor/ se o mais caro me negavas / que era todo o seu amor / mas se existe
ainda / quem queira me condenar / que venha logo/ a primeira pedra atirar .
Este jogo pesado a demolir reputaçõesdemorou a findar , rendendo ainda muito sopapo e lavagem de roupa suja à vista de todos . Que pena ! .
Dalva de Oliveira partiu em busca
de um merecidodescanso em 30 de agosto
de 1972, aos 55 anos, devastada pelos malefícios decorrentes do abuso de álcool e de medicamentos impróprios . Um pungente
lamento e um humilde pedido , ainda ressoam pelo mundo afora enquanto
existirem o amor e suas dores : “ Bandeira branca , amor / não posso mais /
pela saudade que me invade / eu peço paz/ saudade mal de amor , de amor /
saudade dor que dói demais / vem meu amor / bandeira branca eu peço paz .
David Nasser , como homenagem
póstuma, escreveu um tocante pedido de
desculpas a Dalva de Oliveira, na revista O Cruzeiro, tudo muito bonito , mas
que pena, não servia para Dalva, que já não podia ler nem saborear sua nobre e
tardia atitude .
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