sábado, 3 de janeiro de 2015

As Duas faces do Amor / David Nasser



“Confete / pedacinho colorido de saudade/ ai, ai , ai ,ai / ao te ver na fantasia que usei / confete / confesso que chorei/ chorei porque lembrei/ o carnaval que passou / daquela colombina que comigo brincou / ai , ai , confete/ saudade do amor que se acabou “. DavidNasser .
A beleza de um verso pode ter a leveza de uma pluma ou rolar de uma só lágrima, não importa, mas carece tocar fundo  nos sentimentos : “Confete, pedacinho colorido de saudade“ (David Nasser) ; “Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor “ (Nelson Cavaquinho); “Mas a lua  , furando o nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão, e tu pisavas  nos astros distraída“ (Orestes Barbosa) .Simples pérolas de nossa MPB.
 1938: Assis Chateaubriand , o magnata da imprensa  do Brasil  do século XX  adquire a revista Cruzeiro , ainda sem o  artigo “O“, com financiamento público  aprovado pelo presidente Getúlio Vargas. Grandes nomes do jornalismo brasileiro desfilaram pela  história da maior  revista brasileira, antes do advento do semanário  “Veja“ : Rachel de Queiroz , Manuel Bandeira , Carlos Heitor Cony , Rubem Braga ,  Antônio Maria,  Millôr Fernandes e  David Nasser , dentre outros .
David Nasser (1917-1980), “o turco“ ,  paulista, filho de libaneses,  mentiroso, vingativo e  reacionário , mas , em contra partida,  poeta, cronista , compositor , enfim ,  um grande trabalhador da palavra .
Integrante da equipe da  Revista O Cruzeiro  a partir de 1943 e cercado de gigantes , ele  mesmo afirmava  ter verdadeira paixão pelas “pretinhas “,  que era como se referia às teclas de sua máquina de escrever. Quando umanotícia mostrava  pouca  relevância, David  dava asas à imaginação e gerava algo de impacto. Aí morava operigo. Assim ocorreuem 1946, quando  o deputado Barreto Pinto , amigo do ditador Getúlio Vargas , solicitou do repórter, uma matéria que causasse sensação  junto aos leitores . Deste modo, David Nasser apresentou n’ O Cruzeiro, o nobre deputado  elegantemente trajado de fraque e cartola  ...vestindo uma prosaica cueca samba–canção. Custo da ousadia : cassação do mandato do referido  parlamentar por falta de decoro .
De outra feita, David  forjou um furo de reportagem  para a revista , com a  pretensa foto da esposa de Chiang Kai–Shek, líder máximo da China comunista , em visita ao Brasil, e que era totalmente arredia  à imprensa. A madame  chinesa sempre negou a veracidade da reportagem e , segundo fontes seguras, as fotos foram realizadas por Jean Manzon , um francês radicado no Brasil , carne e unha com o turco, e tratava- se do próprio David  Nasser vestido de quimono. Patifaria e galhofa , juntas ,  típicas do dito repórter . Em outra oportunidade , a dupla Manzon –Nasser  tentava sem sucesso uma entrevista com o médium Chico Xavier. Chegaram aomestre espírita , inventando um nome falso  de  um libanês e o outro  de  um  francês ,   correspondentes de um grande jornal estrangeiro.  Realizaram a difícil façanha da entrevista  e partiram para a publicação . Chegandoao  hotel , abriram o presente ofertado pelo médium. E tiveram umasurpresa  incômoda : no oferecimento do livro constava o nome de David Nasser  e Jean Manzon e não os fictícios dados a Chico . Verdade ou mentirada  perigosa  dupla? .
 David Nasser, camaleão, tirava da cartola, em meio ao  atribulado trabalho jornalístico,  inspiração para lapidar  pérolas musicais: Nega do cabelo duro, Confete , Pensando em ti , Vermelho 27 , Canta Brasil.
Um exemplo:“ Pensa ndo em ti “, imortalizado por Nelson Gonçalves e uma bela oferenda ao deus Baco :
Eu amanheço pensando em ti / eu anoiteço pensando em ti/ eu não ti esqueço/ é dia e noite pensando em ti / eu vejo a vida pela luz dos olhos teus / me deixe ao menos /por favor pensar em Deus / nos cigarros que eu fumo / te vejo nas espirais / nos livros que tento ler /em cada frase tu estás / nas orações que eu faço/eu encontro os olhos teus / me deixe ao menos por favor pensar em Deus .
David Nasser, parceiro e amigo de orgia de Herivelto Martins, tomou partido, como era de seu feitio , na grande porfia  que  contagiou o  meio artístico nacional na década de 50: a separação tempestuosa da cantora  Dalva de Oliveira e do compositor e boêmio  Herivelto Martins . Um assunto privado que fugirado reduto das  quatro  paredes .  Dalva deu o ponta – pé inicial na refrega : “ tudo acabado – J. Piedade “: tudo acabado entre nós / já não há mais nada / tudo acabado entre nós/ hoje de madrugada / você partiu e eu fiquei/ você chorou e eu chorei/ se você volta outra vez / eu não sei/  nosso apartamento agora / vive à meia-luz / nosso apartamento agora / já não me seduz / todo o egoísmo veio de nós dois / destruímos hoje / o que podia ser depois .
Herivelto responde com o auxílio das palavras venenosasde David  Nasser: “ caminho certo“: Eu deixei o caminho certo / e a culpada foi ela / transformava o lar na minha ausência / em qualquer coisa / abaixo da decência / compreendi que estava tudo errado/ e , amargurado , parti perdoando o pecado / mas deixei o meu caminho certo/ e a culpada foi ela/ sei agora que os amigos que outrora / sentavam à minha mesa / serviam sem eu saber / o amor por sobremesa / acreditem , é muito fácil julgar/ a infelicidade alheia / quando a casa não é nossa/ e é outro que paga a ceia .
Ataulfo Alves  partiu  em defesa de Dalva  e  mandou um bilhete musical: “Errei, sim “:  Errei , sim / manchei o  teu nome / mas foste tu mesmo o culpado/ deixavas – me em casa / me trocando pela orgia / faltando sempre com a tua companhia / lembro – te agora / que não é só casa e comida / que prende por toda a vida / o coração de uma mulher/ as joias que me davas /não tinham nenhum valor/ se o mais caro me negavas / que era todo o seu amor / mas se existe ainda / quem queira me condenar / que venha logo/  a primeira pedra atirar .
Este jogo pesado a demolir reputaçõesdemorou a  findar , rendendo ainda muito sopapo  e lavagem de roupa suja à vista de todos .  Que pena ! .
Dalva de Oliveira partiu em busca de um merecidodescanso  em 30 de agosto de 1972, aos 55  anos, devastada  pelos malefícios decorrentes do abuso  de  álcool e de medicamentos impróprios . Um pungente lamento e um humilde pedido , ainda ressoam pelo mundo afora enquanto existirem  o amor e suas dores : “ Bandeira branca , amor / não posso mais / pela saudade que me invade / eu peço paz/ saudade mal de amor , de amor / saudade dor que dói demais / vem meu amor /  bandeira branca  eu peço paz .
David Nasser , como homenagem póstuma,  escreveu um tocante pedido de desculpas a Dalva de Oliveira, na revista O Cruzeiro, tudo muito bonito , mas que pena,  não servia  para Dalva, que   já não podia ler nem saborear sua nobre e tardia  atitude .

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