sábado, 10 de janeiro de 2015

A picardia de Stanislaw Ponte Preta



   Sérgio Porto, por ele mesmo em um “Auto–retrato do artista quando não tão jovem“:
Jornalista, radialista, teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário. Além disso: marido, pescador, colecionador de disco, ex-atleta e, hoje, cardíaco.
Principais motivações: mulher.
Paradoxos: Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério. 
Ódios inconfessos:Puxa– saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.
Panaceias caseiras: Quando dói do umbigo para baixo: elixir paregórico; do umbigo para cima, aspirina.
Tentações irresistíveis: Passear na chuva, rir em horas impróprias e dizer ao ouvido de uma mulher besta que ela não é tão boa como pensa.

    Sérgio Marcus Rangel Porto (1923–1968)ou, simplesmente, Sérgio Porto  nasceu no dia 11 de janeiro de 1923, no bairro de Copacabana, Rio de Janeiro. Teve uma infância tranquila e fez seus primeiros estudos no Colégio Mallet Soares, de onde foi expulso depois de acertar uma cusparada na cabeça do diretor. Passou por várias escolas e cursou a Faculdade de Arquitetura, onde antes de concluir, partiu para um emprego no Banco do Brasil. Àquela época se arranjar como advogado, bancário ou médico, representava um futuro garantido. Entenda – se, representava. Detestava o emprego, mas permaneceu como bancário por 23 anos, em razão do bom salário. Foi trabalhando em jornais onde conviveu com articulistas de primeira grandeza, como, Álvaro Moreira, Jorge Amado, Di Cavalcanti, Fernando Sabino, Rubem Braga e Aparício Torelly, o impagável “Barão de Itararé “. 
   O pintor Santa Rosa sugeriu o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, como um personagem humorístico, para preservar o jornalismo sério de Sérgio Porto. Com Stanislaw nasceram vários tipos antológicos: Tia Zulmira, o primo Altamirando e Rosamundo. Sérgio Porto atuando ao mesmo tempo em jornal, revista, televisão e teatro, acabou recebendo uma incômoda visita em 1959, aos 36 anos de idade, um infarto do miocárdio. Seu anjo - da – guarda, pelo visto, encontrava- se de licença – prêmio. Ele mesmo dizia que naquela quadra só levantava os olhos da máquina de escrever para aplicar colírio. Em 1954, o jornalista mundano Jacinto de Thormes, publicava na revista Manchete a lista das “Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano “e Stanislaw lançou, como réplica, “As Mulheres Mais Bem Despidas do Ano“. Eram as “certinhas do Lalau“. Assim surgiram para o mundo artístico , beldades como : Betty Faria , Mara Rúbia , Norma Bengell , Sônia Mamede e Virginia Lane.
   
 Stanislaw Ponte Preta era um mestre das comparações enfáticas e das frases de efeito:
Mais inchada que cabeça de botafoguense; Mais assanhado do que bode velho no cercado das cabritas ; Mais feia do que mudança de pobre; Mais duro do que nádega de estátua ; Mais inútil do que um vice – presidente; Deputado nordestino é como marido pilantra , que só aparece em casa para mudar de roupa , é que nem os campeões do mundo , que só surgem de quatro em quatro anos.


  Uma música pouco conhecida composta por Stanislaw Ponte preta, “Nabucodonosor“, defendida pelo Quarteto em Cy, faz uma mordaz sátira aos famosos desfiles de fantasia no Teatro Municipal e a figuras respeitáveis como Clovis Bornay:

Nunca mais quero sair fantasiado / nunca mais quero brincar no carnaval/ nunca mais , ai , nunca mais serei vaiado / naqueles bailes do Municipal/ foi no ano passado , eu me fantasiei , imaginem vocês / fui pra lá carregado , todo enfeitado , com mil paetês / com miçangas e vidrilhos , apliques , lantejoulas / bordados eu tinha até mesmo nas minhas ceroulas / quantas noites tive de ficar acordado / quantas noites eu cheguei mesmo a passar mal / quantas noites eu caprichei nos meus babados / pra quase ir em cana no final/ começou o desfile , a fofoca comia em pleno salão / Sonho de Messalina , não sabe de quem , levou um bofetão / Esplendor Renascentista foi desclassificado / aí deu um pulo pra cima e caiu desmaiado / foi então que desisti de desfilar / foi então que abandonei a passarela / foi então que começaram a me estranhar / e o povo já gritava prende ela / e o povo já gritava prende ela / terminou o desfile eu só não chorei porque não sou mulher / e mesmo que fosse , eu não seria como uma qualquer / fui pra minha casa curtindo a minha dor / rasgado e amassado de Nabucodonosor .
 
    O golpe militar de 64 (A Redentora) ofereceu um rico material folclórico para a verve de Stanislaw que elaborou um bem humorado Festival de Besteira que Assola o País ( Febeapá ) : Um delegado em São Paulo que proíbe homem de cabelos longos a direção de veículos por dificultar a identificação do seu gênero ; outro em Belo Horizonte estabelece o limite de três palavrões , por torcedor , por jogo , e, acima disto, cadeia; nos folguedos carnavalescos, as mulheres estavam proibidas de mostrar as pernas , pois isto constituía um grave atentado às forças armadas ; uma ordem de prisão emitida para o autor da peça teatral Electra , um tal de Sófocles (grego que viveu 400 a. C .). E por aí vai, santa ignorância! Em 1968, durante uma apresentação do Show do Crioulo Doido, Stanislaw Ponte Preta é vítima de um exótico atentado por envenenamento; coisas do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Escapou, mas no mesmo ano, sofre um derradeiro e fatal infarto do miocárdio, aos 45 anos de idade. Morreu do coração e do trabalho. 
   Ele sempre dizia que era “melhor viver pouco tempo, mas viver tudinho, do que viver muito, pela metade “. O “Samba do Crioulo Doido“, de sua autoria, faz uma crítica ao Departamento de Turismo do Rio de Janeiro, que obrigava as escolas de samba apresentarem, sempre, sambas – enredos, inspirados em fatos históricos do Brasil. Em 1968, um certo sambista recebeu a incumbência de escrever uma música abordando “a atual conjuntura do país“. Foi o suficiente para o crioulo enlouquecer e construir um autêntico pastiche ou disparate:
Foi em Diamantina / onde nasceu JK / que a Princesa Leopoldina / arresolveu se casar / mas Chica da Silva / tinha outros pretendentes / e obrigou a princesa / a se casar com Tiradentes / lá ai lá iá lá iá / o bode que deu vou te contar / Joaquim José / que também é / da Silva Xavier / queria ser dono do mundo/ e se elegeu Pedro II/ das estradas de Minas / seguiu pra São Paulo / e falou pra Anchieta / o vigário dos índios / aliou- se a Dom Pedro/ e acabou com a falseta / da união deles dois / ficou resolvida a questão/ e foi proclamada a escravidão / assim se conta essa história / que é dos dois a maior glória / Dona Leopoldina virou trem / e Dom Pedro é uma estação também / ô, ô, ô , ô , ô , o trem tá atrasado ou já passou .

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