sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Furacão Torquato Neto



   “Sei que um dia vou morrer de susto, de bala ou vício“, cantado por Caetano Veloso em Soy loco por ti América; “Vem, nem que seja só pra dizer adeus “interpretado por Ellis Regina em Pra dizer adeus, e, “louvando o que bem merece deixo o que é ruim de lado “defendido por Gilberto Gil em Louvação. Três belos clássicos de nosso cancioneiro popular , com um traço de união , esquecido por muitos , com letras marcadas a ferro e fogo de autoria do mago Torquato Neto (1944–1972).
   Poeta, jornalista, letrista de música popular e experimentador da contracultura brasileira.
    Inconformista, inquieto, inovador, polêmico, louco e criador de celeumas.
   Torquato Pereira de Araújo Neto, o furacão Torquato Neto, veio ao mundo em Teresina, Piauí, em 1944, onde navegou em águas mansas e pacíficas até completar 16 anos, ocasião em que mudou-se para Salvador na Bahia. Precoce, entrou em ebulição, com malas e bagagens, no cadinho cultural soteropolitano aderindo à santíssima trindade musical da época, composta por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa nos primórdios do movimento Tropicália. Em 1962 migrou para outro polo cultural efervescente, o Rio de Janeiro, fevereiro e março, a fim de cursar uma faculdade de jornalismo, onde nunca logrou a graduação. Seu espírito inquieto não deu permissão a tal pequena tarefa. Nem seria preciso, pelo visto. Circulou Torquato, ao lado daqueles tripulantes exóticos dos movimentos culturais como a Tropicália (Caetano, Gil, Gal, Betânia, Capinam, e os mutantes), Cinema Marginal (Ivan Cardoso), poesia concretista (Décio Pignatari, Augusto e Haroldo Campos) e artes plásticas (Hélio Oiticica). Foram demasiadas coisas ao mesmo tempo fazendo ferver e explodir em mil fragmentos, a cuca de um jovem talento em formação.
   A grande nuvem negra que pairava em Pindorama naqueles anos de chumbo (Golpe Militar de 64 e a instalação do AI 5) promoveu o exílio forçado de muitos brasileiros e na área de Torquato, levando Gil, Caetano e Chico, com suas músicas engajadas (“Pai, afasta de mim este cálice, vermelho tinto de sangue “). Esta ausência sentida dos amigos, no pedaço, tornou a figura de Torquato, já instável, num ser cada vez mais recluso, sentindo-se alienado, tanto pelo regime castrista como pela “patrulha ideológica “esquerdizante. Em decorrência de tal prensa inconveniente, eclodiram suas penosas e múltiplas internações em clínicas psiquiátricas, incluindo para tratamento de alcoolismo. “Solidão? Sim, com gelo e limão. Ingratidão? Não, obrigado.
“Quando eu recito ou quando eu escrevo uma palavra, um mundo poluído explode comigo e logo os estilhaços deste corpo arrebentado, retalhado em lascas de corte e fogo e morte (como napalm), espalham imprevisíveis significados ao redor de mim ... uma palavra é mais que uma palavra, além de uma cilada. Agora não se fala nada e tudo é transparente em cada forma; qualquer palavra é um gesto e em sua orla os pássaros de sempre cantam apenas uma espécie de caos no interior tenebroso da semântica .... Escrevo, leio, rasgo, toco fogo e vou ao cinema “. Certa feita escreveu para o artista plástico Hélio Oiticica: “O chato, Hélio, aqui, é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma e o que eu chamo de conformismo geral é isso mesmo, a burrice, a queimação de fumo o dia inteiro, como se isso fosse curtição, aqui é escapismo; enfim, poesia sem poesia, papo furado, ninguém está em jogo, uma droga. Tudo parado. Odeio “.
    Torquato partiu para outras naves espaciais, um dia após seu aniversário de 28 anos. Voltando duma noitada boêmia, confinou-se no banheiro ligando o gás e desligando num minuto a chave geral da vida. Deixou apenas um recado:
 “Não consigo acompanhar a marcha do progresso de minha mulher ou sou uma grande múmia que só pensa em múmias vivas e lindas feito a minha mulher na sua louca disparada para o progresso. Tenho saudades como as cariocas do tempo em que eu me sentia e achava que era um guia de cegos. De modo que FICO sossegado por aqui mesmo enquanto dure. Ana é uma SANTA de véu e grinalda com um palhaço empacotado ao lado. Não acredito em amor de múmias e é por isso que eu FICO e vou ficando por causa de este amor. Pra mim chega! Vocês aí, peço o favor de não sacudirem demais o Thiago. Ele pode acordar “.
   Thiago era seu filho de 2 anos e hoje, um piloto da aviação comercial.
  Uma homenagem de Caetano Veloso para Torquato: 
Cajuína
Existirmos, a que será que se destina? Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva -se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina.
    Torquato Neto, um poeta romântico maldito, que se dispôs a morrer por amor, pela liberdade ou pela poesia. Cumpriu à risca seu fadário!

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