sábado, 10 de janeiro de 2015

Um homem chamado Maria



“Às vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram companhia, desde segunda – feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã aconteça alguma coisa de melhor“.
   Estatura de um metro e oitenta, cento e vinte quilos de peso e outros tantos de irreverência, cordialidade, poesia e, principalmente, boemia. Muito prazer, então, Antônio Maria Araújo de Morais, pernambucano de Recife, safra de 1921, brasileiro, profissão esperança. Uma infância feliz com direito a todos os folguedos, próprios e impróprios. Destes últimos basta lembrar de um homérico porre regado a cachaça Bagaceira Pingo de Uva, em Boa Viagem, quando Maria foi salvo pelas mãos de um negro que o carregou às costas, nocauteado e semimorto até a presença dos pais. Um vexame total. 
Teve seu primeiro emprego nas rádios de Recife no setor de futebol . Bateu bola aqui em Fortaleza na Ceará Rádio Clube (PRE–9), de onde saltou para a fama no Rio de Janeiro, seu porto definitivo. Ali produziu crônicas e histórias risíveis e chorosas com personagens de peso, como, Rubem Braga, Dorival Caymmi, Araci de Almeida, Chacrinha e Carlos Heitor Cony.
   Gostava de pregar peças nos amigos. Um dia telefonou para Cony: “Carlos, você nunca me enganou, meu irmão “. Contou, então, que numa viagem de avião sentou –se ao lado de um belo exemplar de fêmea. A diva tinha em mãos o livro Matéria de Memórias, de Cony. O manhoso Maria, então, se apresentou para a dama, como se fosse o autor do livro e aproveitou para se dizer um desgraçado, sem sorte com o belo sexo. “Mas, Maria ... “era tudo que Cony conseguia falar. “Fica tranquilo, amigo, pois em seguida fomos para cama. Ou melhor, você foi para a cama. E Cony, curioso: “E aí, e aí, o que aconteceu? “E aí foi que se deu o desastre, irmão “- gargalhava Maria. “Você broxou, Cony, você broxou !!“.
    Aquele menino grande atuava como um incansável homem de sete instrumentos naquele Rio antigo, em programas de rádio com Chico Anysio e Haroldo Barbosa. Apresentava um programa de perguntas tipo pinga – fogo, na TV, onde umas das entrevistadas era a candidata a deputada Sandra Cavalcanti. A pergunta de Maria: “Quer dizer dona Sandra, que a senhora é mal–amada?“. “Posso até ser, senhor Maria, mas não fui eu que fiz aquela música Ninguém me ama“. Ponto e votos para a candidata. Muitos samba- canções de sua autoria caíram no gosto popular, pois cantavam as dores de amores. Viraram clássicos: Manhã de carnaval; Suas mãos; Canção da volta; Se eu morresse amanhã e Ninguém me ama. Esta última, imortalizada na voz inconfundível de Nat King Cole:

“Ninguém me ama
Ninguém me quer
Ninguém me chama
De meu amor
A vida passa
E eu sem ninguém
E quem me abraça 
Não me quer bem
Vim pela noite tão longa 
De fracasso em fracasso
E hoje, descrente de tudo 
Me resta o cansaço
Cansaço da vida
Cansaço de mim
Velhice chegando
E eu chegando ao fim“

Abatido em pleno voo, traiçoeiramente pela morte, aos 44 anos de idade, após dois insultos cardíacos (infartos). À época terminara um rumoroso relacionamento com a bela Danuza Leão, o grande amor de sua vida. É corrente se afirmar que quem ama não mata, mas também é verdade que quem sofre atrozes dores de amores pode morrer por isso. Parece que o passamento de Maria se enquadra neste último caso. Há relatos, ainda sem comprovação, da chegada de Maria no mundo maior, sendo recebido a caráter pela “corriola da noite “ao som galhofeiro de “Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire“. Ponto final.

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