O MILAGRE DIÁRIO DA VIDA
Num hospital
na área central de Fortaleza, no ano de 1974, um jovem esculápio acolhe uma
paciente de 25 anos de idade, com um volumoso tumor abdominal. Escalado para
participar da cirurgia como auxiliar, o novel doutor viu pela vez primeira um
cancro corroer as entranhas de um pobre ser humano. Além de um gelatinoso tumor
ocupando ambos os ovários, foram removidos na ocasião, o útero e partes do
intestino da infeliz criatura. Nos meses seguintes o jovem médico cobriu com um
amor franciscano o dia-a-dia daquela cliente. Um acompanhante que se
apresentava como namorado da jovem, sempre manifestava sua tristeza em ter que
levar para o túmulo aquela gentil paciente que definhava a olhos vistos.
Decorridos
cerca de 40 anos dos tais acontecimentos acima relatados, em pleno Parque do
Cocó, em Fortaleza, uma dama de cabelos banhados em prata e com o rosto vincado
pelo rigor dos tempos, contudo, ainda bela, colorida pelos raios do sol, avista
um senhor idoso, recurvado, colhendo fotos de arbustos. Era o reencontro da
antiga paciente do cancro com o outrora jovem filho de Hipócrates. Depois de
dois minutos de um choro baixinho e cálido que parecia uma eternidade, o velho
casal de amigos logo se recompõe. Aquela bela flor outonal relata que o tal
namorado da época sumira no oco do mundo. Ela em paz, hoje usufrui do licor da
vida ao lado de seus três mimosos filhos: um gato, um pequinês e um papagaio.
E na
ocasião, o pobre doutor, tira onda, com um sorriso quase infantil, de seus
inúmeros tombos e de seguidas ” mortes diárias”, tomando emprestado a voz de um
amigo que há pouco sumiu:
”- É, o
ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”
O nome disso
é felicidade, meu Deus!
“Eu saúdo a
vida, que é como semente germinada,
Com um braço
que se eleva no ar
E outro
sepultado no chão.
A vida que é
una, em sua forma externa e em sua seiva interior;
A vida que
sempre aparece e desparece.
Eu saúdo a
vida que vem e a vida que passa.
Eu saúdo a
vida que se revela e a que se oculta.
Eu saúdo a
vida em suspenso, imóvel como uma montanha,
E a vida do
enraivecido mar de fogo;
A vida, tão
terna como o lótus e tão cruel como a centelha.
Eu saúdo a
vida da mente, que tem um lado na sombra
E outro lado
na luz.
Eu saúdo a
vida da casa e a vida de fora, no desconhecido;
A vida
repleta de prazeres e a vida esmagada por pesares;
A vida
eternamente patética, que agita o mundo para aquietá-lo;
A vida
profunda e silenciosa que explode em fragorosas ondas “
Poema
escrito por uma poetisa da Índia medieval e citado pelo divino Rabindranath
Tagore (1861- 1941) em “ Meditações”.
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