quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O MILAGRE DIÁRIO DA VIDA




Num hospital na área central de Fortaleza, no ano de 1974, um jovem esculápio acolhe uma paciente de 25 anos de idade, com um volumoso tumor abdominal. Escalado para participar da cirurgia como auxiliar, o novel doutor viu pela vez primeira um cancro corroer as entranhas de um pobre ser humano. Além de um gelatinoso tumor ocupando ambos os ovários, foram removidos na ocasião, o útero e partes do intestino da infeliz criatura. Nos meses seguintes o jovem médico cobriu com um amor franciscano o dia-a-dia daquela cliente. Um acompanhante que se apresentava como namorado da jovem, sempre manifestava sua tristeza em ter que levar para o túmulo aquela gentil paciente que definhava a olhos vistos.

Decorridos cerca de 40 anos dos tais acontecimentos acima relatados, em pleno Parque do Cocó, em Fortaleza, uma dama de cabelos banhados em prata e com o rosto vincado pelo rigor dos tempos, contudo, ainda bela, colorida pelos raios do sol, avista um senhor idoso, recurvado, colhendo fotos de arbustos. Era o reencontro da antiga paciente do cancro com o outrora jovem filho de Hipócrates. Depois de dois minutos de um choro baixinho e cálido que parecia uma eternidade, o velho casal de amigos logo se recompõe. Aquela bela flor outonal relata que o tal namorado da época sumira no oco do mundo. Ela em paz, hoje usufrui do licor da vida ao lado de seus três mimosos filhos: um gato, um pequinês e um papagaio.

E na ocasião, o pobre doutor, tira onda, com um sorriso quase infantil, de seus inúmeros tombos e de seguidas ” mortes diárias”, tomando emprestado a voz de um amigo que há pouco sumiu:
 ”-  É, o ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”
O nome disso é felicidade, meu Deus!


“Eu saúdo a vida, que é como semente germinada,
Com um braço que se eleva no ar
E outro sepultado no chão.
A vida que é una, em sua forma externa e em sua seiva interior;
A vida que sempre aparece e desparece.
Eu saúdo a vida que vem e a vida que passa.
Eu saúdo a vida que se revela e a que se oculta.
Eu saúdo a vida em suspenso, imóvel como uma montanha,
E a vida do enraivecido mar de fogo;
A vida, tão terna como o lótus e tão cruel como a centelha.
Eu saúdo a vida da mente, que tem um lado na sombra
E outro lado na luz.
Eu saúdo a vida da casa e a vida de fora, no desconhecido;
A vida repleta de prazeres e a vida esmagada por pesares;
A vida eternamente patética, que agita o mundo para aquietá-lo;
A vida profunda e silenciosa que explode em fragorosas ondas “

Poema escrito por uma poetisa da Índia medieval e citado pelo divino Rabindranath Tagore (1861- 1941) em “ Meditações”.



Nenhum comentário:

Postar um comentário