O CASO DA MATERNIDADE
Decorridos
dezoito horas de vigoroso trabalho de parto, uma gestante de primeiro filho,
exausta, pede misericórdia ao plantonista da maternidade que a assiste. Após o
parteiro verificar a dilatação completa do colo uterino da parturiente,
constata com a ajuda de um tosco estetoscópio de Pinard, uma redução dos
batimentos cardíacos do concepto, sugerindo sofrimento fetal agudo.
Incontinenti, o profissional indica a aplicação de um fórcipe, instrumento que
representa o prolongamento das mãos do obstetra. Não insiste, após infrutíferas
tentativas de resolução do parto. Desiste e pede socorro ao diretor clínico da
maternidade.
Faz-se outra
tentativa de extração fetal com o uso do fórcipe, agora, pelas mãos de um dos
maiores nomes da obstetrícia brasileira. Novo malogro. Neste ponto os
batimentos cardíacos fetais tornaram- se inaudíveis. Uma tragédia, pronto se
desenhou: óbito fetal ocorrido no transe do parto.
O experiente
parteiro indicou, na sequência, uma craniotomia – a perfuração do polo cefálico
para esvaziamento de seu conteúdo - e
uma cranioclasia – a redução brusca e tração do polo cefálico do concepto sem
vida -. Uma vez mais, o parto não se concluiu. Configurou-se, desse modo, um
caso de obstrução do parto por desproporção céfalo-pélvica.
Realizou-se,
por fim, uma cesárea de urgência que culminou com a morte da infeliz
parturiente. Uma dupla e dolorosa tragédia, mãe e filho, silenciosa e
tristemente, sucumbiram juntos.
Local do
acontecimento: uma maternidade no Rio de Janeiro.
Ano do
ocorrido: 1917.
Protagonista
médico da tragédia: Dr. Fernando Magalhães (1878-1944), à época, o maior nome
da obstetrícia brasileira. O caso teve desdobramento policial e uma ampla
repercussão na mídia jornalística.
Nenhum
obstetra encontra-se imune a uma catástrofe desta natureza, mesmo nos dias
atuais, contando com um verdadeiro aparato tecnológico. O trajeto normalmente
percorrido pelo parteiro faz-se equilibrando numa tênue corda sobre um abismo,
a
balouçar ao
sabor dos ventos e das intempéries. Num passe de mágica, pode descer o parteiro
das alturas de onde escrutina as planícies e, sem escala, cair reto num
infernal despenhadeiro.
Assim se
expressa, Fernando Magalhães, dando fecho ao seu primoroso livro “ Lições de
Clínica Obstétrica “, lançado no mercado em 1917, há uma centúria, portanto , e
hoje uma raridade bibliográfica:
“ Na prática
que vos espera há muito de imprevisto e de doloroso, tantas vezes vos aproximareis
do irremediável, que é preciso evitá-lo. Isto só se consegue obedecendo ao
mandamento – non vis sed arte - (a arte ao invés da força). Pela força é que se
chega às grandes tragédias clínicas, onde tudo desaparece, a existência do
feto, a vida da parturiente e a boa fama do profissional “.
Assim mesmo,
entusiasma, comove e conforta, nos dias de hoje, assistir uma gente jovem e
bonita, egressa dos bancos da faculdade de medicina buscando aperfeiçoamento na
área de partejar criaturas filhas de Deus, postando-se a seu lado em todo
percurso da gravidez, parto e puerpério.
Nenhum comentário:
Postar um comentário