A MORTE NOSSA DE CADA
DIA
Uma coisa é a espetacularização do ocorrido: a degola de
pobres diabos se digladiando em instituições corretivas do governo ou o último
voo brecado num luminoso pássaro de alumínio a riscar os céus deste mundo de
meu Deus. Aí entra em cena a comoção, o choque da surpresa.
Outra coisa bem diferente, mas tão funesta quanto, é a morte
muda, anônima se insinuando no dia- a- dia a nos tirar devagarzinho lascas de
pele, pedaços da gente: a mão áspera estendida suplicando um trocado, o pedido
calado de socorro no olhar duma esquálida criatura de peitos murchos com uma
criança a lhe sugar a última gota de leite ou de sangue aguado.
Em ambas as situações a dor fere fundo e deixa severas
marcas.
“ Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é
parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa
fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus
amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte da
humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles
dobram por ti “. John Donne (1572 – 1631), poeta inglês e Ernest Hemingway
(1899 – 1961), escritor norte – americano .
Resta que sejamos solidários, em vez de lobos solitários,
acolhendo nossos irmãos e compartilhando em mancheias o divino milagre da vida.
“ A vida é o dia de hoje/a vida é um ai que mal soa /a vida
é sombra que foge/ a vida é nuvem que voa/a vida é sonho tão leve/que se desfaz
como a neve/e como o fumo se esvai/a vida dura um momento/mais leve que o
pensamento /a vida leva-a o vento/a vida é folha que cai /a vida é flor na
corrente/ a vida é sopro suave/a vida é estrela cadente/voa mais leve que a
ave/nuvem que o vento nos ares/onda que o vento nos mares/uma após outra
lançou/a vida -pena caída/ da asa de ave ferida- /de vale em vale impelida/a
vida o vento levou “
João de Deus Ramos
(1830 – 1896 ) , poeta português .
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