ANÍBAL MACHADO, CONSERTADOR DE MATERIAL HUMANO
“Os que não acumulam / e são os mais ricos/os que ignoram o espelho/e são os mais belos/os que não choram e são tristes/os que não dançam e são alegres/os que são fortes e nem se lembram/os que mais parecem irmãos das águas, bichos, árvores e pedras ... “
Aníbal Monteiro Machado (1894 – 1964) nasce em Sabará, no estado de Minas Gerais, filho de Virgílio Cristiano Machado e de Maria Helena Monteiro Machado. Teve uma infância folgada e feliz, sendo alfabetizado pela mãe e por uma governanta alemã. Passou três anos como interno no Colégio Dom Viçoso em Belo Horizonte, depois segue para o Ginásio Mineiro e, posteriormente, frequenta o famoso Colégio Abílio, imortalizado por Raul Pompéia no romance Ateneu.
Aníbal Machado realiza entre 1913 e 1917 o curso superior de Direito em Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Em 1919 é nomeado Promotor Público. Na década de 20 colabora com revistas e jornais na capital mineira. Assume em 1924 a cátedra de literatura no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Pouco tempo depois começa a escrever o romance João Ternura, interrompido em diversas ocasiões e concluído 37 anos mais tarde, às vésperas de seu falecimento. Nas décadas seguintes passa por febril produção literária em posa e verso:
“ Caderno de João”; “ Novelas Reunidas “; ” A Morte da Porta – estandarte e outras histórias “; “ A Arte de Viver o outras Artes “.
Paulo Mendes Campos numa crônica datada de fevereiro de 1964 descreve, magistralmente, a figura de Aníbal Machado:
“ Todo mundo era amigo de Aníbal Machado: os poetas todos : os anteriores a 22 , os integrantes da Semana da Arte Moderna , a geração de 45 ,os concretistas , os indefinidos , que mal tinham metido o bico fora da casca; os romancistas todos ; regionalistas , subjetivistas ; os plásticos todos ... Católicos e ateus frequentavam o coração de Aníbal ; as crianças de todos os tamanhos o adoravam ; os mestiços , os pretos , os judeus contavam com a fraternidade cálida de Aníbal ... Era um consertador de material humano , e era também um homem que aceitava material humano tal como ele é , precário e torto ... “
O Homem em Preparativos:
“Ando sempre em preparativos.
Acumulo material, encomendo peças. Junto o necessário. Tomo todas as providências. E trato também da ornamentação.
Com isso vou me distraindo. Troco coisas e ideias.
Alguns me ajudam, servem- se também de mim. E todos assim nos distraímos nesses preparativos.
Mas com que seriedade! Com que paixão!
Nos momentos de intervalo, construímos cidades, casamos, discutimos, entramos na guerra.
Preparamo-nos todos para qualquer coisa que ainda não aconteceu. Há dezenas de anos tem sido assim. Há milhares de anos...
Adoro os detalhes que aliviam o peso do conjunto. O que me atrapalha, porém, não é tanto o tempo perdido na escolha do material – isso até me preenche as horas – o que me atrapalha é a rapidez com que as coisas se deterioram.
Às vezes recebo intimações para acabar depressa. Mas desconfio e faço cera. Acabar depressa, o que?
Saio a ver se encontro qualquer coisa que seja bem difícil de acabar – acontecimento ou mulher.
Meu medo é a interrupção dessa busca por colapso de entusiasmo ou pela aparição fácil do objeto.
Procuro sempre ...Procuro sem remitência. Invento novas dificuldades.
Adoro os obstáculos ...
Vivo assim amontoando, renovando, corrigindo, experimentando, caindo e me aprumando.
Assim não chegará jamais o dia da minha inauguração. Pois o meu pavor é a viagem concluída, a coisa acabada...
O meu pavor é a estátua de pedra, o feixe de ossos gelando na chuva ou debaixo da terra.
... Enquanto vocês aí fora continuam procurando, procurando...
Não. Nunca serei inaugurado. “
Aníbal Machado partiu no dia 19 de janeiro de 1964, aos 69 anos, no Rio de Janeiro.
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