A SOLIDÃO QUE DÓI
Como uma estátua, analisando um tosco banco de praça, uma
bela figura feminina, apoiada numa bengala, interrompe minha caminhada noturna
na Praça Rogério Froes.
- Senhor, é seguro sentar neste velho banco? Há pouco tempo
sofri uma queda que resultou numa dolorosa fratura óssea.
Eu com uma idade presumível maior que a dela, de pronto,
arrisquei-me e fiz pouso naquele trambolho.
- Parece seguro, minha senhora. Vamos sentar!
- Desculpe a pergunta. O senhor é pastor?
- Pastoreio almas, minha princesa. Sou médico!
- E essa Bíblia debaixo do braço?
- É apenas uma edição de luxo do “ Livro do Desassossego “
do português Fernando Pessoa (Bernardo Soares).
De chofre abri o tal livro, aleatoriamente, que caiu na
página 432.
- Posso ler para a senhora?
- Graziela, é o meu nome. Fui professora de português até
aposentar-me em decorrência de depressão nervosa.
“ Tu não existes, eu bem sei, mas sei eu ao certo se existo?
Eu, que te existo em mim, terei mais vida real do que tu, do que a vida morta
que te vive?
Chama tornada auréola, presença ausente, silêncio rítmico e
fêmea, crepúsculo de vaga carne, taça esquecida para o festim, vitral pintado
por um pintor – sonho numa Idade Média de outra Terra.
Cálice e hóstia de requinte casto, altar abandonado de santa
ainda viva, corola de lírio sonhado do jardim onde nunca ninguém entrou ...
És a única forma que não causa tédio, porque és sempre
mudável com nosso sentimento, porque, como beijas a nossa alegria, embalas a
nossa dor, e ao nosso tédio, és-lhe o ópio que conforta e o sono que descansa,
e a morte que cruza e junta as mãos.
Anjo, de que matéria é feita a tua matéria alada? que vida
te prende a que terra , a ti que és voo nunca erguido, ascensão estagnada ,
gesto de enlevo e de descanso ? “
- Ei, meu pastor, olha um resumo de minha saga: - viúva aos
48 anos, de marido vivo que fugiu com uma garota de vinte anos e deixou-me a
cuidar, sozinha, de um filho adolescente portador de autismo e que é uma benção
para mim!
Ah, a solidão que dói!
“ A solidão é fera, a solidão devora /é amiga das horas
prima – irmã do tempo/e faz nossos relógios caminharem lentos/causando um
descompasso no meu coração/ a solidão dos astros ;/ a solidão da lua ;/a
solidão da noite ;/a solidão da rua / “
A Solidão, música de Alceu Valença.
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