segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Tríduo Momino na Fortaleza Antiga


“Adeus, adeus / só o nome ficou /adeus Praia de Iracema/ praia dos amores / que o mar carregou / quando a lua te procura /também sente saudades / do tempo que passou / de um casal apaixonado /entre abraços e beijos / que tanta coisa jurou / mas a causa do fracasso / foi o mar enciumado / que da praia se vingou “.
Luiz Assunção (1902 – 1987).         
         
   A mimosa Fortaleza dos anos 50 do século XX vivia seu mágico momento após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) e no “tríduo momino “esbanjava seu charme nos clubes elegantes, bares, boates e especialmente nas ruas com o corso / desfile de blocos. O carnaval de rua tinha início na área central da cidade, na Coluna da Hora, ao lado do Abrigo Central e envolvia as ruas Senador Pompeu, Floriano Peixoto, Duque de Caxias e Dom Manoel. Por aquelas bandas desfilavam os maracatus, as escolas de samba e os cordões. O som dolente compassado e triste dos maracatus, marcado por triângulos robustos e surdos, com suas rainhas, baianas e escravos meneando um bailado rodopiante que contagiava a todos:
“Eu vou, eu vou e você não vai / apanhar macaúba no meu balaio / apanhar macaúba no meu balaio / eu vou, eu vou e você não vai“.
   Os Maracatus Estrela Brilhante, Rancho de Iracema, Ás de Espada, Leão Coroado e Rei de Paus, faziam a alegria da moçada que dava um verdadeiro banho de lança- perfume “Rodouro “no alvo sorriso das belas rainhas africanas.  A Escola de Samba Luiz Assunção, algo insólito, era formada apenas pelos componentes da orquestra sob a batuta do próprio compositor e pianista maranhense. Nenhum passista se apresentava na dito bloco. A Escola de Samba Prova de Fogo exibia seus foliões ostentando na cabeça um esquisito chapéu de alumínio.  Pontuava também a Turma dos Camarões, A turma Bamba, os Garotos do Frevo e o famigerado Cordão das Coca – Colas.
   Sabe- se que ao final da Segunda Guerra Mundial os militares americanos deixaram além das saudades na capital cearense, muitas “viúvas jovens “, as ditas “Coca – Colas “-  supimpas garotas da cidade que mantinham algum envolvimento com os gringos na Vila Morena, situada na Praia de Iracema, num clube para entretenimento de oficiais do Tio Sam e embrião do Restaurante Estoril, lar fraterno da boemia cearense nas décadas seguintes.  Naquele antro as moçoilas foram definitivamente apresentadas ao famigerado refrigerante/ xarope americano Coca – Cola, uma raridade na ocasião. Afirma- se, contudo sem provas, que algum cabeça- chata mordido de inveja dos branquelas estrangeiros de língua engrolada tenha criado o epíteto “Coca – Colas “para as gentis filhas do solo de Alencar. Humor picaresco a parte, o certo é que o termo caiu no gosto da gandaia. Uma cidade provinciana à época aceitar aquelas avançadas e liberais garotas de “boa família “, que não mendigavam vantagens pecuniárias, metidas naquele furdunço não era uma mera folia. Os brios dos cabras cabeça – chatas, machistas de primeira hora, principalmente os cadetes da Escola Preparatória ou os integrantes da Base Aérea de Fortaleza foram feridos mortalmente pelas certeiras flechas da inveja. Aquelas belas e esfuziantes filhas de Eva, seguiram os seus fados olhando por cima dos ombros pondo fogo em corações, longe da   maledicência do povaréu. Nem te ligo! ai da base! .
   O corso com automóveis e caminhões envolvia gente de todo lugar desde as mimosas damas e garbosos cavalheiros das famílias tradicionais cearenses, com suntuosas fantasias, até as representantes das pensões alegres da cidade, que não eram poucas.  As “madames “com muitas purpurinas e paetês e suas “garotas “esbanjavam luxo e picardia para inocentes marmanjos a levar corretores beliscões das digníssimas patroas. O aviso estava claro: “– Se instruir Cloretil nestas sirigaitas vai levar peia na frente dos outros “. E fim de papo. Ali estavam representadas as principais casas de perdição da cidade:  Boate Monte Carlo, Boate Hollywood, Bar da alegria, Boate Fascinação e Boate Imperatriz. Algumas outras, também presentes ao desfile democrático e dionisíaco   eram conhecidas pelos nomes de suas proprietárias: Fanny, Graça, Naninha, Júlia Paraibana e, uma figura a parte, o gigante Zé Tatá. Tão logo o rei - sol bestamente voltava as costas para a terrinha, as luzes do pecado se acendiam para uma longa e aguardada noite de fuzarca, naquele colar do pecado que envolvia o centro de Fortaleza. A gente de bem escorregava para os clubes sociais que pontilhavam pela heroica bela desposada do sol: Maguari, Náutico, Diários, Líbano, Comercial, Círculo Militar, para as esperadas batalhas de confetes.  Uma prática a mais constituía “o assalto “onde um grupo de mascarados invadia uma determinada residência ateando o fogo da paixão carnavalesca e gerando ali uma festa improvisada de curta duração.
   Nas diversas ruas e praças da cidade, levas de brincantes, incluindo “os papangus “, e homens grotescamente vestidos de mulher, em algazarra, faziam um carnaval a parte, eram “os sujos “. Vem de um passado remoto greco-romano, esta marmota de marmanjos peludos usarem apetrechos femininos grosseiros como quengas de coco nos seios, um travesseiro volumoso nas nádegas ou na barriga simulando uma gravidez e uma boca escandalosamente pintada de vermelho lembrando uma Pagu cabocla. Nas festas romanas dos lupercais que ocorriam em fevereiro, homens fantasiados saiam a bater com tiras de couro nas mulheres com fins de aumentar a fertilidade das mesmas.   Heróis da mitologia como Hércules, para agradar sua prenda, a bela rainha da Líbia, Onfale, travestia – se de mulher coberto de colares e missangas. Uma pândega!   
   Nos dias seguintes a este folguedo de quatro dias, onde tudo era permitido, aumentava o faturamento das farmácias Galeno, Pasteur, Artur de Carvalho, Osvaldo Cruz e Belém     com a procura de Sal de Fructa Eno, Emulsão Scott, Cibalena, Instantina e Pílulas de Vida do Doutor Ross. Em ambulatórios no centro como o do “prático “Almeida disparava a demanda de Terramicina, Meracilina, Benzetacyl, Nitrato de Prata, Mercúrio Cromo e Furacin. O que ia além do conhecimento daquele humilde homem de branco migrava para os serviços de urologia da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina. Constituía a tradução fiel passada a limpo de uma verdade medieval: “Uma noite com Vênus e o resto da vida com Mercúrio“.  
“Quanto riso, oh! quanta alegria / mais de mil palhaços no salão / arlequim está chorando pelo amor de colombina /no meio da multidão / foi bom te ver outra vez / está fazendo um ano / foi no carnaval que passou / eu sou aquele pierrô / que abraçou / que te beijou, meu amor / aquela máscara negra / que esconde o teu rosto / eu quero matar a saudade / vou beijar –te agora / não me leve a mal, hoje é carnaval “. 
   Quase tudo foi engolido pela voragem do tempo.  Apagaram -se as luzes dos clubes sociais, sumiu o corso e o mais drástico para os saudosistas, as pensões alegres foram postas ao chão para ceder lugar a horríveis e estéreis estacionamentos. Barbaridade! 
“ Angústia , solidão / um triste adeus em cada mão / lá vai , meu bloco vai / só deste jeito é que ele sai / na frente sigo eu / levo um estandarte de um amor / amor que se perdeu / no carnaval  lá vai meu bloco / e lá vou eu também / mais uma vez sem ter ninguém / no sábado  e domingo / segunda e terça – feira / e quarta – feira vem / o ano inteiro é todo assim/ por isso quando eu passar / batam palmas pra mim / aplaudam quem sorri/ trazendo lágrimas no olhar / merece uma homenagem / quem tem forças pra cantar / tão grande é minha dor /pede passagem quando sai / comigo só / lá vai meu bloco vai / “
E viva Zé Pereira, né?

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