“Adeus,
adeus / só o nome ficou /adeus Praia de Iracema/ praia dos amores / que o mar
carregou / quando a lua te procura /também sente saudades / do tempo que passou
/ de um casal apaixonado /entre abraços e beijos / que tanta coisa jurou / mas
a causa do fracasso / foi o mar enciumado / que da praia se vingou “.
Luiz
Assunção (1902 – 1987).
A mimosa Fortaleza dos anos 50 do século XX
vivia seu mágico momento após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) e no “tríduo
momino “esbanjava seu charme nos clubes elegantes, bares, boates e
especialmente nas ruas com o corso / desfile de blocos. O carnaval de rua tinha
início na área central da cidade, na Coluna da Hora, ao lado do
Abrigo Central e envolvia as ruas Senador Pompeu, Floriano Peixoto, Duque de
Caxias e Dom Manoel. Por aquelas bandas desfilavam os maracatus, as
escolas de samba e os cordões. O som dolente compassado e triste dos maracatus,
marcado por triângulos robustos e surdos, com suas rainhas, baianas e escravos
meneando um bailado rodopiante que contagiava a todos:
“Eu
vou, eu vou e você não vai / apanhar macaúba no meu balaio / apanhar macaúba no
meu balaio / eu vou, eu vou e você não vai“.
Os Maracatus Estrela Brilhante, Rancho
de Iracema, Ás de Espada, Leão Coroado e Rei de Paus, faziam a alegria da
moçada que dava um verdadeiro banho de lança- perfume “Rodouro “no alvo sorriso
das belas rainhas africanas. A Escola de Samba Luiz Assunção, algo insólito, era
formada apenas pelos componentes da orquestra sob a batuta do próprio
compositor e pianista maranhense. Nenhum passista se apresentava na dito bloco.
A Escola de Samba Prova de Fogo exibia seus foliões ostentando na cabeça um esquisito
chapéu de alumínio. Pontuava também a Turma dos Camarões, A turma Bamba,
os Garotos do Frevo e o famigerado Cordão das Coca – Colas.
Sabe- se que ao final da Segunda Guerra
Mundial os militares americanos deixaram além das saudades na capital cearense, muitas
“viúvas jovens “, as ditas “Coca – Colas “- supimpas garotas da cidade
que mantinham algum envolvimento com os gringos na Vila Morena, situada na
Praia de Iracema, num clube para entretenimento de oficiais do Tio Sam e
embrião do Restaurante Estoril, lar fraterno da boemia cearense nas décadas seguintes.
Naquele antro as moçoilas foram definitivamente apresentadas ao famigerado
refrigerante/ xarope americano Coca – Cola, uma raridade na ocasião. Afirma- se,
contudo sem provas, que algum cabeça- chata mordido de inveja dos branquelas
estrangeiros de língua engrolada tenha criado o epíteto “Coca – Colas “para as
gentis filhas do solo de Alencar. Humor picaresco a parte, o certo é que o
termo caiu no gosto da gandaia. Uma cidade provinciana à época aceitar aquelas
avançadas e liberais garotas de “boa família “, que não mendigavam vantagens pecuniárias,
metidas naquele furdunço não era uma mera folia. Os brios dos cabras cabeça – chatas,
machistas de primeira hora, principalmente os cadetes da Escola Preparatória ou
os integrantes da Base Aérea de Fortaleza foram feridos mortalmente pelas
certeiras flechas da inveja. Aquelas belas e esfuziantes filhas de Eva, seguiram
os seus fados olhando por cima dos ombros pondo fogo em corações, longe da
maledicência do povaréu. Nem te ligo!
ai da base! .
O corso com automóveis e caminhões envolvia
gente de todo lugar desde as mimosas damas e garbosos cavalheiros das famílias
tradicionais cearenses, com suntuosas fantasias, até as
representantes das pensões alegres da cidade, que não eram poucas. As “madames
“com muitas purpurinas e paetês e suas “garotas “esbanjavam luxo e picardia para
inocentes marmanjos a levar corretores beliscões das digníssimas patroas. O
aviso estava claro: “– Se instruir Cloretil nestas sirigaitas vai levar peia na
frente dos outros “. E fim de papo. Ali estavam representadas as principais
casas de perdição da cidade: Boate Monte Carlo, Boate Hollywood, Bar da alegria,
Boate Fascinação e Boate Imperatriz. Algumas outras, também presentes ao
desfile democrático e dionisíaco eram conhecidas pelos nomes de
suas proprietárias: Fanny, Graça, Naninha, Júlia Paraibana e, uma figura a parte,
o gigante Zé Tatá. Tão logo o rei - sol bestamente voltava as costas para a terrinha, as
luzes do pecado se acendiam para uma longa e aguardada noite de fuzarca,
naquele colar do pecado que envolvia o centro de Fortaleza. A gente de bem escorregava
para os clubes sociais que pontilhavam pela heroica bela desposada do sol: Maguari,
Náutico, Diários, Líbano, Comercial, Círculo Militar, para as esperadas
batalhas de confetes. Uma prática a mais constituía “o assalto “onde um
grupo de mascarados invadia uma determinada residência ateando o fogo da paixão
carnavalesca e gerando ali uma festa improvisada de curta duração.
Nas diversas ruas e praças da cidade, levas
de brincantes, incluindo “os papangus “, e homens grotescamente vestidos de mulher, em
algazarra, faziam um carnaval a parte, eram “os sujos “. Vem de um passado remoto
greco-romano, esta marmota de marmanjos peludos usarem apetrechos
femininos grosseiros como quengas de coco nos seios, um travesseiro volumoso
nas nádegas ou na barriga simulando uma gravidez e uma boca escandalosamente
pintada de vermelho lembrando uma Pagu cabocla. Nas festas romanas dos
lupercais que ocorriam em fevereiro, homens fantasiados saiam a bater com
tiras de couro nas mulheres com fins de aumentar a fertilidade das mesmas.
Heróis da mitologia como Hércules, para agradar sua prenda, a
bela rainha da Líbia, Onfale, travestia – se de mulher coberto de colares e missangas.
Uma pândega!
Nos dias seguintes a este folguedo de quatro
dias, onde tudo era permitido, aumentava o faturamento das farmácias Galeno,
Pasteur, Artur de Carvalho, Osvaldo Cruz e Belém com a
procura de Sal de Fructa Eno, Emulsão Scott, Cibalena, Instantina e Pílulas de
Vida do Doutor Ross. Em ambulatórios no centro como o do “prático “Almeida disparava
a demanda de Terramicina, Meracilina, Benzetacyl, Nitrato de Prata, Mercúrio Cromo
e Furacin. O que ia além do conhecimento daquele humilde homem de branco
migrava para os serviços de urologia da Santa Casa de Misericórdia e do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina. Constituía a tradução fiel
passada a limpo de uma verdade medieval: “Uma noite com Vênus e o resto da vida
com Mercúrio“.
“Quanto
riso, oh! quanta alegria / mais de mil palhaços no salão / arlequim está
chorando pelo amor de colombina /no meio da multidão / foi bom te ver outra vez
/ está fazendo um ano / foi no carnaval que passou / eu sou aquele pierrô / que
abraçou / que te beijou, meu amor / aquela máscara negra / que esconde o teu
rosto / eu quero matar a saudade / vou beijar –te agora / não me leve a mal,
hoje é carnaval “.
Quase tudo foi engolido pela voragem do tempo.
Apagaram -se as luzes dos clubes sociais, sumiu o corso e o mais
drástico para os saudosistas, as pensões alegres foram postas ao chão para ceder
lugar a horríveis e estéreis estacionamentos. Barbaridade!
“
Angústia , solidão / um triste adeus em cada mão / lá vai , meu bloco vai / só
deste jeito é que ele sai / na frente sigo eu / levo um estandarte de um amor /
amor que se perdeu / no carnaval lá vai meu bloco / e lá vou eu também /
mais uma vez sem ter ninguém / no sábado e domingo / segunda e terça –
feira / e quarta – feira vem / o ano inteiro é todo assim/ por isso quando eu
passar / batam palmas pra mim / aplaudam quem sorri/ trazendo lágrimas no olhar
/ merece uma homenagem / quem tem forças pra cantar / tão grande é minha dor
/pede passagem quando sai / comigo só / lá vai meu bloco vai / “
E
viva Zé Pereira, né?
Nenhum comentário:
Postar um comentário