CIGANOS EM FORTALEZA NOS ANOS 60
Despertou- se Chico Barrão no breu da noite e ficou colado ao postigo saboreando o tilintar compassado do trote de cavalos , chapinhando o chão defronte a porta em busca do Campo do América logo ali perto junto ao Riacho Pajeú . Barracos de lona saltaram do chão como num passe de mágica . Uma sanfona chorou enquanto reinou a escuridão com uma melodia plangente nem de longe parecida com o nosso velho forró pé de serra . Uma gente bizarra , colorida e festeira tomou conta do sonolento bairro da Aldeota , em Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção naquele ano da graça de 1960 . .
Era uma leva de ciganos , vindos , sei lá , dos confins do mundo , nômades , com ouro escorrendo pelo corpo , até na fileira dos dentes , cartomantes , quiromantes e , especialmente , cabras que não levam desaforo pra casa . Sua origem nos remete ao continente europeu, especialmente, ciganos calons da Península Ibérica . Por estas bandas os ciganos aportaram há muito , inicialmente através de um decreto da Coroa Portuguesa que escolheu como o destino para degredados os Estados do Ceará e Maranhão . Faz- se menção que o Presidente Bossa – Nova , Juscelino Kubitschek ( 1956 – 1961 ) , tinha ascendência tcheca e cigana : médico urologista , boêmio , pé de valsa , bom coração e uma personalidade cativante . Um só pecado de J.K. , pois ninguém é perfeito : construiu Brasília , a Capital Federal , morada de uma gente muito estranha não- cigana .
Enfim estes seres peregrinos da diáspora – os ciganos - ajudaram certamente com uma razoável cota no esperado “ branqueamento da nação brasileira “ .Vivem no mundo cerca de 10 milhões de ciganos , a maioria nos países da União Europeia . Estima- se a existência hoje no Brasil de cerca de 1.000.000 destes simpáticos imigrantes . Em 2006 foi instituído o Dia Nacional dos Ciganos , através de decreto presidencial .
Muito bem , naquele agrupamento em Fortaleza nos anos 60 do século passado , um adolescente curioso dispôs – se a jogar sua diminuta mesada destinada para a compra da Revista Rin- Tin- Tin na fogueira ou melhor , na prática da quiromancia posta ali a sua disposição . Como numa lâmpada de Aladim alumiou-se , súbito , a figura de um belo exemplar de mulher , cabelos negros presos num coque , olhos pecadores ,rosto rabiscado com uns lábios cheios e exageradamente rubros . Ao lado dela , vigilante e severo , um homem vestido com roupa negra , bulindo no leito das unhas com um punhal longo e brilhante . O jovem do bairro ofertou a mão , o mais firme que conseguiu para a bela quiromante . Entortou o rosto e pensou , seja o que Deus quiser !
“ – Filho , vejo um vermelho de sangue e fogo no seu futuro brilhante , você se projetando como um garboso bombeiro , ou um médico a curar feridas ou um rubro comunista . - Não puxe a mão , criança apressada , pois vem agora a melhor notícia, bobinho : você vai atear como um Nero na velha Roma , fogo em muito coração feminino por este mundo afora “ .
O jovem parecia fazer ouvidos de mercador para a verborrágica cigana , absorto que estava em duas maduras manga- rosas ali a sua frente querendo saltar da blusa branca tomara – que – caia da ardente cartomante .
“ A manga rosa , Maria Rosa / Rosa , Maria , Joana / peitos gostosos , Rosa dos doces / mana , mama , mamãe / teu sumo escorre da minha boca / entra aberta a porta por onde entra e por onde sai / por onde sai o mundo , mundo / balança a fronde farta mangueira / e mata a fome , morto a fome /ou mata imensa , mata .. /nestes florados cachos / de verde amarelou / maduro fruto / que pro nosso gozo vem / amem , mamem , amém / “ . Manga – Rosa de Ednardo .
Chegando em casa , num êxtase , ardendo em febre interna o jovem com o peito estufado “ mode “ um petista danado detonou , blefando :
“ Mãe , passei a noite sonhando a trabalhar como um soldado do Corpo de Bombeiros num daqueles carros barulhentos , sendo um comunista de carteirinha daqueles que comem crianças e amando todas as mulheres do mundo . E tem mais , não vou ficar queimando as pestanas em livros técnicos e terminar com um salário de fome numa repartição pública qualquer “ .
Não deu tempo nem de terminar o panfletário discurso e o moleque desapareceu debaixo de uma surra de cinturão para acordar do destrambelhado sonho vermelho :
“ - Você pensa que eu vou aturar umas sirigaitas enchendo um filho meu de doenças do mundo como , Mula , Esquentamento e Crista de Galo . “ . Você não tem fígado de fazer uma coisa vergonhosa dessas com sua pobre mãe . Prefiro a morte “ .
Dias depois , quando o tropel de cavalos partiu numa madrugada fria com destino desconhecido , avistava – se o “ jovem bombeiro “ montando um ginete e na garupa grudada no seu cangote uma bela princesinha morena , Margarida , um verdadeiro colibri , um arco- íris de desejo que gorjeia e ri cantigas flamencas
de amor e paz . Disposto estava o doidivanas jovenzinho a atear o fogo da paixão pelas lonjuras deste mundo de meu Deus . Mais um cabeça – chata a engrossar o caudal de errantes a abrir caminhos nunca dantes navegados e um dia quando bater o banzo correr de volta ao estorricado solo do seu querido Ceará .
“ Eu vou partir , pra cidade garantida , proibida / arranjar meio de vida , Margarida / pra você gostar de mim / essas feridas da vida Margarida / essas feridas da vida , amarga vida / pra você gostar de mim / veja você , arco- íris já mudou de cor / e uma rosa nunca mais desabrochou / e eu não quero ver você /com esse gosto de sabão ...na boca / Veja meu bem , gasolina vai subir de preço / e eu não quero nunca mais seu endereço / ou é o começo do fim ... ou é o fim / essas feridas da vida Margarida / essas feridas da vida , amarga vida / pra você gostar de mim .
“ Margarida “ Vital Farias .
Nenhum comentário:
Postar um comentário