“Eu apenas queria
que você soubesse / que aquela alegria ainda está comigo / e que a minha
ternura não ficou na estrada / não ficou no tempo presa na poeira / eu apenas
queria que você soubesse / que esta menina hoje é uma mulher / e esta mulher é
uma menina / que colheu seu fruto , flor do seu carinho / eu apenas
queria dizer a todo mundo que me gosta / que hoje eu me gosto muito mais
/ porque me entendo muito mais também / e que a atitude de recomeçar é todo
dia, toda hora / é se respeitar na sua força e fé/ e se olhar bem fundo até o
dedão do pé / eu apenas queria que você soubesse / que essa criança brinca
nesta roda / e não teme o corte de novas feridas / pois tem a saúde que
aprendeu com a vida /eu apenas queria que você soubesse / que aquela alegria
ainda está comigo / e que a minha ternura não ficou na estrada / não ficou no
tempo presa na poeira /“.
Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior -Gonzaguinha– (1945–1991) encarou a brabeza do mundo pela vez primeira em 22
de setembro de 1945 no Rio de Janeiro. Seus pais foram, Luiz Gonzaga do
Nascimento (O Rei do Baião) e Odaléia Guedes dos Santos (Léia), cantora da
noite e uma bela/frágil mulher. Léia havia entrado há pouco tempo na vida de
Luiz Gonzaga que a conhecera cantando em bares numa vida livre de colibri e de vivaz
boêmia. Grávida, foi dividir o teto com o “Seu “Luiz, e por volta de
dois meses depois do parto, Léia abriu um quadro grave de Tuberculose -a
peste branca– ceifadora de tantas vidas naquela época em que quase
nada havia a se fazer, em decorrência dos escassos recursos médicos existentes.
O garoto Luizinho foi prontamente afastado da convivência materna
e entregue aos cuidados de um casal amigo da família, Dina (Leopoldina de
Castro Xavier) e Xavier (Henrique Xavier) que morava no Morro de São Carlos no Estácio.
O motivo básico alegado seria proteger o menino dum possível contagio de tuberculose.
Na idade adulta, Gonzaguinha iria contrair a dita doença, que foi prontamente
tratada sem maiores consequências. Com os pais adotivos o garoto
desfrutou de uma infância humilde, mas, de gozosa e plena liberdade.
Luiz Gonzaga, o pai, sempre distante, seguia sua vida peregrina cantando (“minha
vida é cantar por esse país, pra ver se um dia descanso feliz “) em tudo que
era lugar, desde carroceria de caminhão a teatro chique, deixando a criação do
menino Luizinho, literalmente nas mãos de Deus.
Odaléia, coitada, partiu
cedo, aos 22 anos, por conta de uma tuberculose galopante, sem reatar
qualquer contato com o pobre filho. O pouco tempo de afeto mútuo de
Gonzaguinha e Léia, ou seja, os nove meses de gravidez e os dois meses do
puerpério foram o suficiente para marcar a ferro e fogo um amor genuíno, profundo,
duradouro, terno e verdadeiro. O Rei do Baião seguiu seu fado
casando–se com uma pernambucana, Helena das Neves Cavalcanti,
que não aceitou a vinda do menino Gonzaguinha para integrar a nova família. Que
pena! Já na adolescência tentou-se nova reaproximação que mostrou- se
tumultuosa com o Moleque Luizinho, como era chamado, não se inserindo
naquele ambiente severo e hostil. O jovem bateu pernas por vários colégios
internos em busca de conhecimentos formais e, principalmente, de uma almejada paz.
Gonzaguinha cursou, sem maior entusiasmo a Faculdade de Ciências
Econômicas Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. Naquele ambiente
acadêmico travou conhecimento com importantes e emergentes figuras da MPB como,
Ivan Lins, Aldir Blanc e César Costa Filho. Participou dos famigerados festivais universitários,
preparando bala para futuras batalhas contra a censura imposta pelo Regime
Militar de 64. Fez companhia a ilustres perseguidos como Chico Buarque (o
preferido dos censores), Caetano Veloso, Gilberto Gil e Geraldo Vandré.
Gonzaguinha desde cedo mostrava um comportamento arredio, agressivo e difícil
que logo a mídia ajudou a propagar apresentando – o como um “cantor – rancor “.
Haveria motivos para isso? A vida mostraria que sim, de maneira veemente.
Em 1979, o artista lançou pela Gravadora Odeon, o seu mais bem
elaborado trabalho “Gonzaguinha da Vida “com músicas como “Não dá mais pra
segurar “e “Diga lá, coração“:
“Chega de tentar dissimular e
disfarçar e esconder / o que não dá mais pra ocultar e eu não posso mais calar
/ já que o brilho desse olhar foi traidor / e entregou o que você tentou
conter / o que você não quis desabafar e me cortou / chega de temer , chorar ,
sofrer , sorrir , se dar / e se perder e se achar e tudo aquilo que é
viver / eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim/ como se fosse o
sol desvirginando a madrugada /quero sentir a dor dessa manhã/ nascendo ,
rompendo , rasgando , tomando meu corpo e/ então eu / chorando , sofrendo ,
gostando , adorando , gritando / feito louca , alucinada e criança / sentindo o
meu amor se derramando / não dá mais pra segurar , explode coração“.
“São coisas dessa vida tão
cigana / caminhos como a linha dessa mão / vontade de chegar /e olha eu
chegando / e vem essa cigarra no meu peito /já querendo ir cantar noutro lugar
/ diga lá meu coração / da alegria de rever essa menina / e abraça –lá /
e beija –lá / diga lá , meu coração / conte as estórias das pessoas / nas
estradas dessa vida / chore esta saudade estrangulada / fale , sem você
não há mais nada /olhe bem nos olhos da morena e veja lá no fundo / a luz
daquela primavera / diga lá , meu coração / que ela está dentro em meu peito e
bem guardada / que é preciso / mais que nunca / prosseguir / prosseguir“.
Gonzaguinha amou Ângela que lhe
deu dois filhos, Daniel e Fernanda. Amou a Frenética Sandra que lhe deixou uma
filha, Amora. Uma última filha, Mariana, foi fruto de um relacionamento amoroso
com Louise Margarete, com quem terminou seus breves dias.
Uma música dentre tantas outras bem
elaboradas, engrandece a figura controversa de Gonzaguinha, um mimoso hino
de amor e piedade dirigido a sua sofrida mãe, Odaléia. Uma homenagem que
brota do peito de um filho agradecido e que irá sobreviver ao longo do tempo:
“Minha cantora esquecida das
noites brasileiras / te amo / compositora esmagada dessas barras brasileiras /
te amo / minha heroína doente do peito / minha menina de luta / minha morena
catita / ah ! minha preta / furando cartão / cantando nos becos / tossindo nos
cantos / o lenço na boca , o sangue / a mão na garganta / a perna já bamba / a
força não tanta / a vida tão tonta / eis Odeia em busca de um sonho dourado /
vai Odaléia , delírio de um dia / léia retrato guardado no meu quarto / minha
Dalva / minha estrela – guia / na fome de amor / na voz estancada/ no ouro da
lama / nos humildes enganos / saiba Odaléia pequena / te ouço/ te vivo / te amo“.
Um pungente retrato de uma dama da noite,
onde em lugares proibidos ela usava “um cartão “para que seus pares
pagassem para tirar minutos de dança de salão com ela. Naquele ambiente
insalubre ela adquiriu uma tuberculose. Não importa, nisto tudo realça
em vários momentos da canção – queixume, o sentimento solto de Gonzaguinha
acarinhando sua morena catita, sua estrela – guia, sua pobre mãe: te ouço, te
vivo, te amo.
Gonzaguinha largou cedo a vida,
aos 45 anos de idade, numa estrada chuvosa no interior do Paraná deixando
a todos sem entender o motivo daquele reboliço fatídico. Deste modo foi
retomado o encontro de paz e amorosidade de Gonzaguinha e Odaléia, agora de
forma perene sem a interferência de ninguém. Que assim seja!
Que linda homenagem à mãe que ele não conheceu! Sensibilidade!
ResponderExcluirum artista inesquecível!