segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Carnaval com estresse hídrico



   Ninguém de sã consciência  duvida que  vivenciamos   uma grave  crise de  Estresse Hídrico neste  flutuante planetinha de nada chamado Terra. Entende–se por estresse hídrico  a circunstância em que a demanda de água por habitante é maior do que  a capacidade de oferta do produto. Sabedores  somos, também, que se aproxima o período da folia de momo aqui em Pindorama quando passa a valer o  célebre ditado que “ninguém é de ninguém“  e onde  as paixões se esvaem mais rápido que as águas dos açudes barrentos  do nosso sofrido solo arenoso  do Ceará.  Faz pouco saímos de  uma batalha no  campo  eleitoral renhida com direito a mortos e feridos em  profusão. Nenhuma palavra sequer  foi desperdiçada nos palanques eletrônicos  sobre a crise hídrica que já  batia, insistentemente, nos moucos ouvidos de nossas briosas  autoridades. Assunto  tabu e indigesto, posto que, desfaz sonhos e engole votos em mancheias, pondo  medo no eleitor dócil, podendo  levar ao incontrolável  e temível  estouro da boiada Ressuscitemos, pois, enquanto se nos permite,   do baú da memória as gostosas  marchinhas de  carnaval de um  passado distante, mas que continuam pertinentes na atual conjuntura. Gozemos  e relaxemos, como pede o   tríduo carnavalesco:

“ Lata d’água na cabeça / lá vai Maria , lá vai Maria / sobe o morro e não se cansa / pela mão leva a criança / lá vai Maria /Maria lava roupa lá no alto / lutando pelo pão de cada dia / sonhando  com a vida no asfalto / que acaba onde o morro principia“.

“ Tomara que chova três dias sem parar / a minha grande mágoa é lá em casa não ter água / eu preciso me lavar / de promessa eu ando cheio/quando eu conto a minha vida ninguém quer acreditar / trabalho não me cansa / o que me cansa é pensar /que lá em casa não tem água nem pra cozinhar“.

“ As   águas vão rolar / garrafa cheia eu não quero ver sobrar / em ponho a mão no saca, saca, saca – rolha e bebo até me afogar , deixa as águas rolar  / se a polícia por isso me prender / e na última hora me soltar /eu pego o saca , saca ,  saca – rolha / e bebo até me afogar / deixa as águas rolar“.

   A Agência Nacional das Águas (ANA) do Brasil   relata que de um total de 29 aglomerados urbanos no país, 16 já precisam buscar novos mananciais para sobreviver ao ano de 2015. A água doce representa apenas 2,5% do total de água da terra. O Brasil abarca   a maior reserva de água doce do planeta  (12% do total), porém com distribuição muito  irregular.  A região metropolitana  de São Paulo com  19,9 milhões de habitantes e o restante do país cuidam  mal da água  potável existente. Enquanto a escassez batia  ponto apenas nas áreas sofridas do nordeste brasileiro, tudo permanecia em  uma santa paz  de cemitério. Agora com os “peixes graúdos“  morrendo à mingua, o Governo Federal  mostra disposição de mover  o mundo como Arquimedes,  embora pareça  tarde,  para acabar com o desagradável vexame hidrológico.
   O carro-chefe da  locomotiva  -San Pablo-, coitado,  emperrou de  vez. No momento,  “os bacanas de gravata da Avenida Paulista  e as Zelites“ irão aprender com quantos paus se faz uma canoa,  entender o que é um  carro–pipa e  saber que tomar banho de cuia não é um mero   jargão futebolístico  de receber  um “chapéu“. Uma empresa estatal em suposta   crise financeira  fez generosa doação de incentivo ao maior carnaval do Brasil,dançando  ao som dos tamborins com bicheiros e outros contraventores,  utilizando  a velha fórmula de estímulo matreiro  do “pão e o circo“ mesmo com a escassez  da bendita água. E o “Titanic“ valente, soçobrando.  Resta a ilusão  da embriaguez  do carnaval: 

“Eu vou morar pra lá de Bagdá / onde o petróleo nasce / e não se cansa de jorrar / não fico mais aqui / eu quero me arrumar / eu vou morar pra lá de Bagdá / já estou cansado de almoçar roendo osso / eu quero um diamante pendurado no pescoço / com certas odaliscas , servindo o  meu jantar / eu vou morar pra lá de Bagdá“.

   A ressaca deste carnaval será memorável com o país  afogado em séria crise hídrica, energética, sócio-política  e a pior delas,  a crise  ética, lembrando o famigerado Baile da Ilha Fiscal, quando o Império se divertiu às largas,na beira do vulcão da República.
   Um solitário bloco, o “Grêmio  Recreativo Escola de Samba  Vergonha na Cara“ sairá de luto às ruas com o seu samba–enredo do dócil  e saudoso  Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior  -Gonzaguinha- a animar os incontáveis  foliões–do-contra  no Sambódromo da Democracia:

“ É ! / a gente quer valer o nosso amor / a gente quer valer nosso suor / a gente quer valer o nosso humor / a gente quer do bom e do melhor / a gente quer carinho e atenção / a gente quer calor no coração / a gente  quer suar, mas de prazer / a gente quer é ter muita saúde / a gente quer  viver a liberdade / a gente quer viver felicidade / É ! /  a gente não tem cara de panaca / a gente não tem jeito de babaca / a gente não está com a bunda exposta na janela / pra passar a  mão nela  / É ! / a gente quer viver pleno direito / a gente quer viver todo respeito / a gente quer viver uma nação / a gente quer é ser um cidadão ..... /.

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