quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A grande Dama de branco, sempre



   Corria célere o mês de fevereiro do ano da graça de 1974 e lá pras bandas de Pacoti, na Serra de Baturité, os riachos já corriam fazendo barulho numa algazarra quase infantil. Pelo andar da carruagem, a natureza iria abrir mão dos serviços do Prof. João Ramos, aquele de engravidar nuvens com cloreto de sódio, deixando desta vez os cúmulos nimbos em paz. No pequeno hospital daquela cidade serrana reinava um mar de tranquilidade até por volta das duas horas da madrugada quando o jovem esculápio de plantão foi chamado às pressas. Algo insólito se passava no distrito de Pernanbuquinho. 
   Num velório alguém percebera um brusco movimento no defunto, o caboclo Zé Paulo da Laura. Pararam ali, de chofre, o Pai Nosso, naquela hora, já do meio pro fim. O doutor, a contragosto, partiu num fusquinha que prometia aventuras já que o mesmo batera a biela logo na partida. Lá pras tantas o bicho ronceiro parou em meio a trovoadas. O indefeso esculápio, ali no breu da noite, rememorou a sua infância insone, pois nunca fora chegado a trovões de estalo. Enfim, achou o seu destino: um pobre casebre prenhe de curiosos. Sem o “ô de casa“ já que a ocasião não permitia, o medroso doutor partiu rápido para definir a peleja. Com um estetoscópio Bic foi logo caçando no lado esquerdo do peito do indigitado, um “tum-tá“ por mais inocente que fosse. Nada. Já que saltara o tempo da palpação do pulso, para ele não confiável numa parada daquelas, partiu já nos minutos finais da prorrogação, para definir a partida: o teste do suor, utilizando um espelhinho redondo com uma estampa da Jane Mansfield, a “Cicciolina“ daquela época. Funcionou, batata, e a partir de então o prezado Zé Paulo fora promovido a finado. 
   Ao passar uma vista d’olhos na salinha acanhada, o já quase defunto-doutor percebeu, sentada confortavelmente, uma dama de tez pálida coberta por um vestido branco, longo e esvoaçante, imóvel e sem dar um pio. Era ela, a indesejada das gentes, conferindo o placar. Por via das dúvidas, o dito cristão só deixou o carregado ambiente depois que o Rei–Sol se aluiu e inundou de ouro este mundo velho de meu Deus. Ufa!

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