Maternidade Dr. João Moreira :
um lamento de saudade e um eterno agradecimento
.
Em
Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção ,
uma singela Casa de Saúde situada numa área central da cidade , ao lado da Praça da Lagoinha , dava abrigo
a uma grande maternidade . Num grande salão central , a porta de acesso mostra
de inicio uma gigantesca pia , secundada por várias mesas cirúrgicas
prontas para acolher pacientes em transe de parto ou com um abortamento : eis o centro obstétrico da
Maternidade Dr. João Moreira , a minha
querida ¨ Moreirinha ¨ , parte
integrante do Hospital Geral Dr. César Cals , naqueles idos de 70 do século
passado . Ali
gerações de alunos graduandos de medicina da Universidade Federal do
Ceará( UFC ) viveram suas primeiras
experiências com o belo ato da
parturição . A pia coberta de instrumentos , os mais
diversos , repletos de sangue e
outros matérias , prestava – se para a
primeira etapa da preparação da limpeza dos apetrechos , que logo seriam reutilizados .
Aplicava – se um processo de
¨flambar ¨ que constava em
colocar o material lavado numa
mesa de alumínio , espargia –se álcool e fervia – se tudo em fogo brando . Coisa muito simples e rápida !!
. E , claro , não se utilizavam gorro , máscara nem pro - pés . Um grupo de parteiras ou curiosas , de primeiro quilate , fazia as
vezes de ¨ mestras ¨ daqueles aspirantes de médicos : Como
se conduzir de forma adequada diante daquelas benditas filhas de Deus , naqueles momentos atribulados ; como colher
uma breve história ; como aferir os sinais vitais ,e , adentrar na intimidade do exame físico .
Não constitui tarefa fácil verificar uma dilatação de colo uterino e a
apresentação fetal duma parturiente segurando sua mão , levantando as nádegas da mesa e gritando em
seus ouvidos . O pior vinha a seguir ,
o parto com o menino ensaboado a lhe fugir das mãos trêmulas . Os nossos
anjos da guarda ,
¨Chaguinha ¨ , ¨ Chicuta ¨ , ¨ Bandeira ¨ , ¨ Nilse ¨ , ¨ Mozarina ¨ , ¨
Vilanir¨ , ¨Salete ¨ e Zefinha ¨ , sempre estavam por perto para
qualquer eventualidade . Era o saber popular prestando seu serviço à ciência
organizada e a seus doutores . Meu respeito , admiração e eterno agradecimento a
estas criaturas de Deus .
Numa outra dependência do
hospital , funcionava a Maternidade Dr.
José Frota , que prestava atendimento a usuárias do INPS . Ali os acadêmicos de
medicina tinham acesso restrito, pois tratava- se de clientela especial , bem diferente
daquelas que habitavam a “ Moreirinha “ , ditas indigentes , desprovidas de
quaisquer recursos financeiros . O grupo
mostrava- se heterogêneo: empregadas domésticas , mães solteiras desgarradas da
família e habitantes das pensões alegres
da área ( Boate Continental , Bar da Alegria , Boate Fascinação e Boate 90 ) .
A arte de partejar sempre conviveu com acidentes hemorrágicos e na ¨Moreirinha
¨ com seu incipiente banco de sangue ,
o Prosan ( Drs. Francisco Tavares , Onildo Gusmão , Ormando Rodrigues e José Carlos Ribeiro ) ,
fazíamos todo o processo desde a colheita do sangue , sua classificação e
cruzamento até a aplicação da
hemotransfusão . Deus sempre jogava a nosso favor , não esquecendo de suas púberes ovelhas em
perigo . O obstetra de plantão , quase sempre do gênero masculino , isso
durante décadas , só era chamado para resolver alguma dúvida maior , como confirmar
um diagnóstico de distocia , sugerido
pelas parteiras . Um ¨ Rezende ¨
debaixo do braço , tornava mais imponente a presença daqueles anjos de
branco . Determinados internos mais afoitos
realizavam procedimentos cirúrgicos maiores – cesárea e fórcipe – sob a
orientação dos plantonistas mais liberais . Apenas o susto e a severa
repreensão surgiam quando uma ¨ irmã
de caridade ¨ avisava ao chefe da
clínica obstétrica sobre o ocorrido . Vale recordar que o diretor do hospital , era um grave senhor , com um
cachimbo sempre a fumegar e portando uma
casmurrice de dar medo . Assim se
apresentava o Dr. José Carlos Ribeiro , contudo , uma nobre
figura humana . Assisti sua despedida emocionada do hospital , com aquele severo homem vertido
em lágrimas , parecendo uma criança
querendo mimo , sendo substituído por um
desconhecido militar , imposto pelo cruel regime ( Golpe Militar de 64 ) então
vigente . Na lousa de minha memória apagou-se a fisionomia e o nome daquele interventor , mas a luminar
figura do real diretor ¨ da César Cals ¨ vai junto comigo até o fim de meus
dias , a despeito de nunca tendo trocado com aquele inacessível
filho de Hipócrates uma só palavra , mesmo quando dava um bom-dia
baixinho ao adentrar em sua sala para pedir emprestado um aparelho portátil de
eletrocardiograma . O severo homem tirava o olhar de um livro , segurando pensativo seu cachimbo por um segundo e nada
respondia . Não importava ,
aquilo era uma forma de amar seus pequenos aprendizes de doutores .
Aqui registro meu agradecimento eterno às mãos amigas de
verdadeiros anjos da guarda , dos seguintes
doutores plantonistas , meus queridos mestres : Antônio Ciríaco de Holanda Neto ( chefe da
clínica obstétrica ) , Juarez de Sousa
Carvalho , Mário Noleto Guimarães , Francisco Tavares Teixeira , Onildo Gusmão
, Ormando Rodrigues Campos , Wilson Moreira , Francisco Pereira dos Santos ,
Arnaldo Afonso Alves de Carvalho ,
Laerte Colares , José Aluísio Soares e Juraci Jesuino da Silva . O material que os
senhores me ofertaram sem nada me cobrar continua útil e vai comigo , bem junto
do peito , por todo o sempre . Que Deus
os abençoe ! .
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