segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015




Maternidade Dr. João Moreira  : um lamento de saudade e um eterno agradecimento



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     Em Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção  , uma singela Casa de Saúde situada numa área central da cidade  , ao lado da Praça da Lagoinha , dava abrigo a uma grande maternidade . Num grande salão central , a porta de acesso mostra de inicio  uma gigantesca  pia , secundada por várias mesas cirúrgicas prontas para acolher pacientes em transe de parto ou com   um abortamento : eis o centro obstétrico da Maternidade Dr. João Moreira , a minha  querida ¨ Moreirinha ¨  , parte integrante do Hospital Geral Dr. César Cals , naqueles idos de 70 do século passado  .  Ali  gerações de alunos graduandos de medicina da Universidade Federal do Ceará( UFC ) viveram  suas primeiras experiências com o belo  ato  da  parturição . A pia   coberta  de instrumentos ,  os mais  diversos ,  repletos de sangue e outros matérias  , prestava – se para a primeira etapa da preparação da limpeza dos apetrechos  , que logo seriam reutilizados  .  Aplicava – se um processo de  ¨flambar ¨ que constava em  colocar o material  lavado numa mesa  de alumínio , espargia –se  álcool e fervia – se  tudo em fogo brando .   Coisa muito simples  e rápida !!  .  E , claro , não se utilizavam  gorro , máscara nem pro - pés  . Um grupo de parteiras ou  curiosas , de primeiro quilate , fazia as vezes de ¨ mestras ¨ daqueles aspirantes de médicos  :  Como se conduzir de forma adequada diante daquelas benditas filhas de Deus ,  naqueles momentos atribulados ; como colher uma breve história ; como aferir os sinais vitais  ,e , adentrar na intimidade do exame físico . Não constitui tarefa fácil verificar uma dilatação de colo uterino e a apresentação fetal duma parturiente segurando sua mão  ,  levantando as nádegas da mesa e gritando em seus ouvidos . O pior vinha  a  seguir ,  o parto com o menino ensaboado a lhe fugir das mãos trêmulas  . Os nossos  anjos da  guarda  ,  ¨Chaguinha ¨ , ¨ Chicuta ¨ , ¨ Bandeira ¨ , ¨ Nilse ¨ , ¨ Mozarina ¨ , ¨ Vilanir¨ ,  ¨Salete ¨ e  Zefinha ¨ , sempre estavam por perto para qualquer eventualidade . Era o saber popular prestando seu serviço à ciência organizada e a seus  doutores . Meu  respeito , admiração e eterno agradecimento a estas criaturas de Deus  .
Numa outra dependência do hospital  , funcionava a Maternidade Dr. José Frota , que prestava atendimento a usuárias do INPS . Ali os acadêmicos de medicina tinham acesso restrito, pois tratava- se  de clientela especial , bem diferente daquelas que habitavam a “ Moreirinha “ , ditas indigentes , desprovidas de quaisquer  recursos financeiros . O grupo mostrava- se heterogêneo: empregadas  domésticas , mães solteiras desgarradas da família e  habitantes das pensões alegres da área ( Boate Continental , Bar da Alegria , Boate Fascinação e Boate 90 ) .
   A arte de partejar sempre conviveu com acidentes hemorrágicos e na ¨Moreirinha ¨   com seu incipiente banco de sangue , o Prosan ( Drs. Francisco Tavares , Onildo Gusmão  , Ormando Rodrigues e José Carlos Ribeiro  )  , fazíamos todo o processo desde a colheita do sangue , sua classificação e cruzamento até a aplicação da  hemotransfusão .  Deus   sempre jogava  a nosso favor , não esquecendo de  suas púberes ovelhas   em perigo . O obstetra de  plantão ,  quase sempre do gênero masculino , isso durante décadas , só era chamado para resolver alguma dúvida maior , como confirmar um diagnóstico de  distocia , sugerido pelas parteiras .   Um  ¨ Rezende ¨  debaixo do braço , tornava mais imponente a presença daqueles anjos de branco  .   Determinados internos mais afoitos realizavam procedimentos cirúrgicos maiores – cesárea e fórcipe – sob a orientação dos plantonistas mais liberais . Apenas o susto e a severa repreensão surgiam quando  uma ¨  irmã  de caridade ¨  avisava ao chefe da clínica obstétrica sobre o ocorrido . Vale recordar que o diretor do  hospital , era um grave senhor , com um cachimbo sempre a fumegar e portando uma  casmurrice de dar medo . Assim  se apresentava o Dr. José Carlos Ribeiro , contudo ,  uma nobre  figura humana . Assisti sua despedida emocionada  do hospital , com aquele severo homem vertido em lágrimas ,  parecendo uma criança querendo mimo ,  sendo substituído por um desconhecido militar , imposto pelo cruel regime ( Golpe Militar de 64 )   então vigente . Na lousa de minha memória apagou-se a fisionomia e  o nome daquele interventor , mas a luminar figura do real diretor ¨ da César Cals ¨ vai junto comigo até o fim de meus dias ,  a despeito de  nunca tendo trocado com aquele  inacessível  filho de Hipócrates uma só palavra , mesmo quando dava um bom-dia baixinho ao adentrar em sua sala para pedir emprestado um aparelho portátil de eletrocardiograma . O severo homem tirava o olhar de um livro  , segurando pensativo seu cachimbo por um segundo  e nada  respondia . Não  importava , aquilo era uma forma de amar seus pequenos aprendizes de doutores .
 Aqui registro meu  agradecimento eterno às mãos amigas de verdadeiros anjos da guarda , dos seguintes  doutores plantonistas , meus queridos mestres   : Antônio Ciríaco de Holanda Neto ( chefe da clínica obstétrica )  , Juarez de Sousa Carvalho , Mário Noleto Guimarães , Francisco Tavares Teixeira , Onildo Gusmão , Ormando Rodrigues Campos , Wilson Moreira , Francisco Pereira dos Santos , Arnaldo Afonso Alves de Carvalho ,  Laerte Colares , José Aluísio Soares  e Juraci Jesuino da Silva . O material que os senhores me ofertaram sem nada me cobrar continua útil e vai comigo , bem junto do peito , por todo o sempre .  Que Deus os  abençoe ! .




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