sexta-feira, 9 de junho de 2017

CONSELHOS DE ASCLÉPIO A SEU FILHO




Asclépio ou Esculápio representa um personagem mitológico de quem Hesíodo dá conta e que ganha vida nos poemas de Homero na categoria de herói. Aos poucos se eleva à categoria de um deus protetor da Saúde e iniciador da Medicina. Considera-se filho do deus Apolo e da mortal Coronis. Conta-se que Coronis enquanto grávida de Apolo teve um romance com o arcádio Isquis. A deusa Diana castigou Coronis matando-a com uma flechada em sua mansão em Lakéria. Quando o corpo da infiel criatura estava sobre a pira, Apolo extraiu do seu ventre o pequeno Asclépio que, incontinenti, foi entregue ao centauro Quíron. No monte Pelión o centauro educou o garoto nas artes da caça, na ciência das plantas curativas, na arte da medicina e na proeza de ressuscitar os mortos, como nos casos de Glauco, Tíndaro e Hipólito. O deus Júpiter lançou um raio contra Asclépio, matando-o. Consideram-se filhos de Asclépio: Higéia (deusa da saúde); Panacéia (deusa do tratamento); Macaon (pai da cirurgia); Telésforo(responsável pela convalescença); Podalírio( pai da medicina interna). Epione era a esposa de Asclépio e respondia por aplacar a dor.
 Seguem abaixo os Conselhos de Asclépio a seu filho em uma de suas múltiplas versões:
Queres ser médico, meu filho?
É aspiração própria de uma alma generosa, de um espírito ávido de ciência. Desejas que os homens te tomem por um Deus que alivie os seus males e lhes afugenta os temores?
Pensaste bem no que vai ser tua vida? Terás de renunciar à vida privada: enquanto que a maioria das pessoas podem, terminado o seu trabalho, isolar-se dos aborrecimentos, a tua porta estará sempre aberta a todos; a qualquer hora do dia ou da noite virão te perturbar o teu descanso, os teus prazeres, as tuas meditações; já não terás horas para dedicar à tua família, às tuas amizades; ao estudo; em suma, já não te pertencerás.
Os pobres, acostumados a padecer, não te chamarão senão em caso de urgência; mas os ricos, tratar-te-ão como um escravo encarregado de remediar os seus excessos: ou porque têm uma indigestão ou porque estão gripados. Farão com que te acordem a toda pressa assim que sintam a menor inquietude, pois estimam muitíssimo a sua própria pessoa. Terás de mostrar interesse pelos detalhes mais vulgares da sua existência, decidir se devem comer carne ou peixe, se devem andar deste ou daquele modo. Não poderás ir ao teatro nem estar doente; terás de estar sempre pronto para acudir teu amo assim que este te chame.
Eras rigoroso nas escolhas dos teus amigos: procuravas o contato de homens de talento, de artistas e de espíritos dedicados; no futuro não poderás banir os enfadonhos, os pouco favorecidos em inteligência, os desprezíveis. O malfeitor terá tanto direito aos teus cuidados como o homem honesto; prolongarás vidas nefastas e o segredo da tua profissão proibir-te-á de impedir crimes de que serás testemunha.
Tens fé no teu trabalho para conquistar reputação; tem sempre presente que não te julgarão pelas tuas qualidades e ciência, mas sim pelas casualidades do destino, pela qualidade dos teus fatos, pelo aspecto da tua casa, pelo número de teus criados, pela atenção que dedicas às tagarelices e gostos da tua clientela. Uns desconfiarão de ti por usares barba, outros por vires de longe, outros por acreditares nos deuses, outros por não acreditares neles.
Aprecias a simplicidade; terás de adotar a atitude de um adivinho. És ativo, sabes quanto vale o tempo; não poderás, contudo, manifestar fastígio nem impaciência: terás que suportar relatos que começam no início dos tempos para explicar-lhes simples cólicas e os ociosos consultar-te-ão pelo simples prazer de tagarelar. Serás o cano de despejo da sua imensa ostentação.
Sentes paixão pela verdade, mas não poderás dizê-la. Terás que ocultar a alguns a gravidade dos seus males e a outros a sua insignificância pois isso aborrecê-los-ia. Terás de guardar segredos que te são confiados ou permitir passar por burlado, ignorante ou cúmplice. Apesar da medicina ser uma ciência obscura, que os esforços dos seus fiéis vão iluminando de século para século, não te será permitido duvidar nunca, sob pena de perderes todo o crédito. Se não afirmares conhecer a natureza de uma doença ou possuir um remédio infalível para a curar, o vulgo consultará charlatões que vendem a mentira de que necessita.
Não contes com agradecimentos: quando o doente se cura esta é devida à sua robustez, se morre, serás tu quem o matou. Enquanto está em perigo trata-te como um Deus, suplica-te, promete-te, enche-te de lisonja; mas assim que convalesce já o estorvas e quando se tratar de pagar os cuidados que lhe concedeste, enfada-se e denigre-te. Quanto mais egoístas são os homens mais solicitudes exigem.
Não contes com este ofício tão penoso para enriquecer. Dizem a ti: é um sacerdócio, e não será decente que obtenhas lucro como faz um comerciante qualquer. Prepara-te se sentes agrado pela beleza: verás do mais feio e repugnante que há na espécie humana e todos os teus sentidos serão maltratados. Terás de encostar o teu ouvido ao suor de troncos sujos, respirar o odor de míseros lares e o perfume excessivamente forte das pessoas, palpar tumores, curar chagas verdes de pus, examinar urinas, pesquisar catarros, fixar a tua vista e olfato em imundícies, meter o dedo em muitos sítios. Quantas vezes, em dias bonitos, queimado do sol e perfumado, ao sair de um banquete ou de uma peça de Sófocles, te chamarão a ver um homem que, incomodado por dores abdominais, te apresentará um bacio nauseabundo, dizendo-te satisfeito: felizmente tive a precaução de conservá-lo. Lembra-te então que poderá ser de interesse aquela dejeção.
Até mesmo a beleza das mulheres, consolo dos homens, se desvanecerá para ti. Vê-las ás pelas manhãs desgrenhadas, desencantadas, desprovidas das suas belas cores, esquecendo sobre os móveis parte dos seus atrativos. Deixarão de ser deusas para se converterem em pobres seres afligidos por males sem alívio. Sentirás por elas menos desejo do que compaixão. Quantas vezes te assustarás por ver um crocodilo adormecido ao fundo da fonte dos prazeres!
O teu ofício será para ti uma túnica de Neso. Na rua, nos banquetes, no teatro, na tua casa mesmo, os desconhecidos, os teus amigos, os teus parentes falar-te-ão dos seus males para te pedirem um remédio. O mundo parecer-te-á um grande hospital, uma assembleia de indivíduos queixosos. A tua vida decorrerá sob a sombra da morte, entre a dor dos corpos e das almas, da aflição e da hipocrisia que paira sobre a cabeceira dos agonizantes.
Ser-te-á difícil conservar uma visão agradável do mundo. Descobrirás tanta fealdade debaixo das mais belas aparências que toda a confiança na vida se desvanecerá e todo o prazer será envenenado. A raça humana é um Prometeu dilacerado por abutres.
Ver-te-á só nas tuas tristezas, nos teus estudos, nomeio do egoísmo humano. Nem sequer encontrarás apoio entre os médicos que te fazem guerras surdas por interesses ou por orgulho. A consciência de aliviar males amparar-te-á nas tuas fadigas; mas duvidarás se é correto fazer com que continuem em vida homens atacados por doenças incuráveis ou crianças enfermas que nenhuma possibilidade tem de ser felizes e que transmitirão a sua triste vida a esforços, tiveres prolongado a existência de alguns anciãos ou de crianças defeituosas, virá uma guerra que destruirá o mais são e robusto de seus concidadãos. Então serás encarregado de separar os débeis dos fortes para salvar os débeis e enviar os fortes para a morte.
Pensa bem em tudo isto enquanto estás a tempo de o fazer. Mas, se, indiferente à sorte, aos prazeres e à ingratidão, se, mesmo sabendo que ficarás só entre as feras humanas, tens um espírito suficientemente estoico para se satisfazer com o dever cumprido sem ilusões , se tu julgas suficientemente pago com a palavra de uma mãe , com um rosto que sorri porque já não sofre, com a paz de um moribundo a quem ocultas a chegada da morte, se anseias por conhecer o Homem e penetrar toda a tragédia da sua existência. FAZ-TE MÉDICO, MEU FILHO “




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