GRAVIDEZ NA
ADOLESCÊNCIA: UMA DURA REALIDADE
Uma bela mulher de
cabelos azuis da cor do mar e portando um largo sorriso juvenil adentrou,
iluminando o sisudo consultório de um velho parteiro de aldeia.
“- Vim iniciar um pré-natal. E trouxe meu primeiro filho
para participar deste momento sublime”. Calvin, era o nome do pimpolho, um
cãozinho da raça pinscher miniatura, quieto e atento a toda conversa, muito bem
aconchegado ao morno colo “ materno”.
Após o preenchimento do Cartão da Gestante com rigorosa
anamnese, o doutor avisou que precisaria examinar a novel cliente. De pronto, ela
pediu licença para chamar o seu companheiro que ficara na sala de espera,
trabalhando freneticamente num computador de mão.
“ – Aí vozão! Tudo em cima? “
Na maior informalidade do mundo, o jovem com um coque preso
no alto da cabeça e pejado de dragões espalhados pelo pescoço e membros
superiores deu início a um papo surreal mostrando surpresa pela infinidade de
lápis, canetas, borrachas e papéis espalhados em cima da mesa de trabalho do
esculápio e, inacreditável, sem nenhum sinal de vida inteligente conectado na
Web. Apenas um pequeno aparelho de som gemia maneiro um chorinho de
Pixinguinha.
O velho parteiro falou de sua alegria ao participar junto
desta família híbrida e jovial, exato naquele momento fundamental da vinculação
pré-natal: a primeira ultrassonografia com a visualização do concepto e a
ausculta dos batimentos cardíacos fetais. Calvin, agora nos braços do “pai”
ensaiou um breve momento de ciúme com uma mistura de grunhidos e choro baixo.
Uma pândega!
Em seu meio século de labuta em três turnos, aquele parteiro
já vivenciara (quase) todo tipo de situação no consultório.
“- Vamos aprender
juntos, caros amigos, nesta longa jornada de nove meses, às vezes, navegando em
mar tranquilo e em outras ocasiões enfrentando fortes tempestades. Não importa,
estaremos trabalhando no acompanhamento psicológico da gravidez, na consecução
do parto e na enriquecedora relação de pais e filhos na construção de sua
autonomia, uma dinâmica de alteridade, transformadora da família”. Pregou,
paternalmente, o velho homem de jaleco branco rezando para que aquela família
ali à sua frente entendesse e aceitasse o tipo de assistência pré-natal por ele
ofertada.
“ A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a
gravidez na adolescência ocorre entre dez e dezenove anos, e as que engravidam
com catorze anos ou menos são especialmente vulneráveis e mais expostas à
morbimortalidade. Cerca de dezesseis milhões de adolescentes entre quinze e
dezenove anos, e cerca de um milhão com menos de quinze anos dão à luz a cada
ano – 95 % dos casos se dão em países menos desenvolvidos “ (Maldonado, M.T.,
2017)
Ainda cabem sonhos diante daquela situação não planejada de uma
gravidez na adolescência? O “poetinha” Vinícius de Moraes com larga experiência
no ramo do amor, destila sua opinião em versos:
“ Filhos...Filhos?/ melhor não tê-los !/mas se não os
temos/como sabe-los?/se não os temos/que de consulta/quanto silêncio/como os
queremos !/banho de mar/diz que é um porrete.../cônjuge voa/transpõe o
espaço/engole água/fica salgada/se iodifica/depois, que boa/que morenaço/que a
esposa fica !/resultado: filho/e então começa/a aporrinhação :/cocô está
branco/cocô está preto/bebe amoníaco/comeu botão/filhos ? filhos ?/melhor não
tê-los/noites de insônia/cãs prematuras/prantos convulsos/Meu Deus, salvai-o!/ filhos
são demo/melhor não tê-los.../mas se não temos/como sabê-los ?/como saber/que
macieza/ nos seus cabelos/que cheiro morno/na sua carne/que gosto doce/na sua
boca !/chupam gilete/bebem xampu/ateiam fogo/no quarteirão/porém, que coisa/que
coisa louca/que coisa linda/que os filhos são!”
Poema Enjoadinho de Vinícius de Moraes (1913- 1980).
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