TRAGÉDIAS DA VIDA COTIDIANA
Para o Dr. Luiz Carvalho Nogueira
O chamado
era para se dirigir ao Bloco 200 do vetusto hospital- escola localizado numa
praça do centro de Fortaleza nos idos de 70 do século passado. O jovem médico
-plantonista puxou para si uma cadeira ao lado do leito da nova paciente. Fez
uma breve apresentação e deu início ao internamento daquela criatura filha de
Deus. Chamou sua atenção o sobrenome dela constante no prontuário médico. Tratava-se
de uma família com poucos membros aqui no Ceará e era de origem europeia. A
paciente relatou sua condição de desquitada e que agora vivia maritalmente com
aquela bela morena que a estava acompanhando naquela enfermaria de indigente.
Do ex-marido e da única filha que tivera com o mesmo, quase nada falou. Apenas
citou o nome da filha, causando um profundo choque no esculápio que se tornou
lívido tomando emprestado a cor de seu avental. Com a intimidade de seus botões
o doutor confabulou que namorara com a filha daquela paciente e que ela o
trocara fugindo com um boêmio idoso, desaparecendo ambos no breu do mundo. Nada
foi relatado para a paciente sobre tal infausto e dolorido acontecimento. Da
conversa e do exame físico minucioso realizados naquele momento firmou-se um
diagnóstico: câncer de colo uterino em estágio avançado. Poucos meses depois findava
o sofrimento aqui na terra daquela infeliz criatura.
Corridos já
cerca de quarenta anos do acontecimento naquele hospital-escola, o agora
sexagenário esculápio recebe um telefonema daquela outrora garota que namorara
e filha da dita paciente do câncer de colo uterino. Ela buscava um auxílio
financeiro, posto que, o tal marido boêmio e fujão fora consumido
definitivamente pela temível Peste Branca, a tuberculose pulmonar. Ela agora
estava sendo ameaçada de despejo de seu casebre por conta de três meses de
atraso de aluguel. O velho doutor deixou na portaria do consultório certa
quantia em dinheiro para aquela sofrida namorada do passado. No dia seguinte
ela liga aos prantos querendo devolver parte do dinheiro dizendo que aquilo
daria para pagar dois anos de aluguel. O doutor, claro, não aceitou a tal
proposta. O pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada, confabulou
consigo mesmo. Ela contou que ficara sozinha no mundo, posto que, não tivera
filhos e que a mãe, longe e renegada pela família por conta de sua corajosa
opção de vida, morrera de um câncer.
Mãe e filha
nunca souberam daquela história escondida e da coincidência do encontro/desencontro
no hospital no centro de Fortaleza naquele distante ano de setenta e quatro do
século passado.
Ah, a mão cega do destino como tosca pedra nos
desvãos da vida a solapar sonhos e quimeras!
Poderia ter
acontecido um sonho de amor , mas não aconteceu:
“ Somos
dois, começo de vida
Nós dois e
uma simples história de amor
Enquanto
esta estrada estiver florida
Sonhemos,
querida
Somos dois,
seguindo na vida
Sentindo que
em próximos dias
Diremos
talvez
Com os olhos
brilhando de felicidade
Fomos dois,
somos três “
Composição de Klecius
Caldas e Luís Antônio.
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