ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO X EDUARDO
GALEANO
Arthur Bispo do Rosário (1909 – 1989), um gênio louco, organizador do caos, não teve orientação didática nem conviveu com qualquer artista plástico que imprimisse alguma influência em seu alentado trabalho manual. O “ Manto da Apresentação “ representa sua obra mais significativa e consiste num fardão com o nome de pessoas importantes para que não houvesse esquecimento por ocasião do Juízo Final. Quando perguntado quando iria se transformar em Jesus Cristo, Arthur respondia resoluto: “ - Não vou me transformar não, rapaz, você está falando com Ele”.
Eduardo
Galeano (1940- 2015), um mago da palavra, o poeta pleno do “ amor que passa, da
vida que pesa e da morte que pisa “ disseca o gigante Arthur Bispo do Rosário
com leveza e arte no Inventário Geral do Mundo:
“ Arthur
Bispo do Rosário foi negro, pobre, marinheiro, lutador de boxe e artista por
conta de Deus.
Viveu num
manicômio do Rio de Janeiro.
Lá, os sete
anjos azuis transmitiram a ele a ordem divina: Deus mandou-o fazer um
inventário geral do mundo.
A missão
encomendada era monumental. Arthur trabalhou dia e noite, cada noite, cada dia,
até que no inverno de 1989, quando estava em plena tarefa, a morte agarrou-o
pelos cabelos e o levou.
O inventário
do mundo, inconcluso, estava feito de ferro-velho,
Vidros
quebrados,
Vassouras
calvas,
Chinelas
caminhadas,
Garrafas
bebidas,
Lençóis
dormidos,
Rodas
viajadas,
Bandeiras
vencidas,
Cartas
lidas,
Palavras
esquecidas e
Águas
chovidas.
Arthur havia
trabalhado com lixo. Porque todo lixo era vida vivida, e do lixo vinha tudo o
que no mundo era ou tinha sido. Nada de intacto, merecia aparecer. O intacto
tinha morrido sem nascer. A vida só latejava no que tinha cicatrizes ” (do
livro Espelhos)
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