FLORBELA ESPANCA
(1894 – 1930)
“ Quando morrer, é possível que alguém, ao ler estes
descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão
rara neste mundo – uma alma - se debruce
com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que fui
ou julguei ser. E realize o que eu não pude: conhecer – me”
Florbela Espanca (1894 – 1930) veio ao mundo no dia 8 de
dezembro de 1894 no Alentejo, em Vila Viçosa. Seus pais foram João Espanca,
fotógrafo e antiquário, e Antónia Lobo, uma criada de servir. Florbela foi
registrada como filha de pai incógnita e viveu sua infância e foi educada pelo
casal João Espanca e pela madrasta Mariana Espanca que era infértil. O romance
proibido de João com Antónia ainda gerou um segundo rebento: Apeles Espanca,
três anos mais novo que Florbela.
Ainda no curso primário a garota passa a assinar o nome como
Flor d’ Alma da Conceição Espanca. Por volta de 1903, aos 8 anos de idade
escreve uma poesia sobre um tema nada infantil “ A vida e a Morte “ mostrando a
todos o que viria mais adiante.
“ O que é a vida e a morte / aquela infernal inimiga/ a vida
é o sorriso /e a morte da vida a guarida/a morte tem os desgostos/a vida tem os
felizes/a cova tem as tristezas/ e a vida tem as raízes/a vida e a morte são/o
sorriso lisonjeiro/ e o amor tem o navio/e o navio o marinheiro “
Florbela casou- se cedo, aos 19 anos, em 1913, com Alberto
Moutinho. Estudou no Liceu de Évora e em 1917 concluiu Letras do Curso dos
Liceus. Em 1919 como estudante de Direito, Florbela publica sua primeira obra
poética, o Livro de Mágoas, que obtém fria acolhida junto ao público. Neste
período sofre um golpe cruel para sua alma sensível, um sofrido abortamento que
lhe deixa como sequela uma renitente depressão. Logo em seguida o seu casamento
desmorona.
Em 1921 Florbela enfrenta novo casamento, desta feita com um
jovem militar, Antônio Guimarães e passa a viver em Matosinhos. Novo
abortamento ocorre em 1923, e uma vez mais, Florbela desfaz sua relação marital
e penetra na escuridão do quadro depressivo. Mário Lage, um médico, aparece na
vida de Florbela em 1925 nascendo daí um novo romance de curta duração. Neste
período Florbela sofre um profundo golpe, a perda num acidente aéreo do seu
único irmão, Apeles Espanca , ocorrido em 6 de junho de 1927. A partir de
então, Florbela não mais encontrará forças para se desfazer da tristeza e da
falta de vontade de viver. Assim mesmo a poesia não abandona a sofrida alma de
Florbela.
“ Minh’alma , de sonhar-te , anda perdida/meus olhos andam
cegos de ti ver/não és sequer razão do meu viver/pois que tu és já toda minha
vida!/ não vejo nada assim enlouquecida .../passo no mundo , meu amor , a ler/
no misterioso livro do teu ser/ a mesma história tantas vezes lida!/” tudo no
mundo é frágil , tudo passa ...” / quando me dizem isto , toda a graça/duma
boca divina fala em mim !/ e, olhos postos em ti, digo de rastros:/” ah! Podem
voar mundos, morrer astros/ que tu és como Deus: Princípio e Fim “ / Poema “ Fanatismo” musicado pelo cearense
Raimundo Fagner (1949 -) .
“ Morte, minha Senhora Dona Morte/tão bom que deve ser teu
abraço! /lânguido e doce como um doce laço/e como uma raiz , sereno e forte/não
há mal que não sare ou não conforte/ tua mão nos guia passo a passo/ em ti ,
dentro de ti, no teu regaço/não há triste destino nem má sorte/ Dona Morte dos
dedos de veludo / fecha- me os olhos que já viram tudo!/prende – me as asas que
voaram tanto !/vim de Moirama , sou filha do rei/ má fada me encantou e aqui
fiquei/à tua espera ... quebra -me o encanto !”
“ Eu quero amar, amar perdidamente! /amar só por amar : aqui
... além../ mais este e aquele, o outro e toda a gente.../amar !amar! e não
amar ninguém!/ recordar? Esquecer? Indiferente!.../prender ou desprender? é
mal? é bem?/ quem disser que se pode
amar alguém / durante a vida inteira é porque mente !/ Há uma primavera em cada
vida : é preciso cantá – la assim florida/ pois
se Deus nos deu voz , foi para cantar ! / e se um dia hei de ser pó ,
cinza e nada / que seja a minha noite uma alvorada/ que me saiba perder... pra
me encontrar ..”
Às duas horas do dia 08 de dezembro de 1930, dia do seu
aniversário, Florbela Espanca cai nos braços de Morfeu e segue viagem
definitiva para dourar versos noutra dimensão, costurando um mar de saudades.
“ Deixa dizer -te os lindos versos raros/ que a minha boca
tem pra te dizer!/são talhados em mármore de Paros/ cinzelados por mim pra te
oferecer/tem dolências de veludos caros/são como sedas brancas a arder.../deixa
dizer-te os lindos versos raros /que foram feitos pra te endoidecer!/mas , meu
amor, eu não tos digo ainda.../que a boca da mulher é sempre linda/ se dentro
guarda um verso que não diz!/amo-te tanto !e nunca te beijei.../e , nesse beijo
, amor , que não te dei/ guardo os versos mais lindos que te fiz !”
Obras publicadas de Florbela Espanca:
Poesia: Livro de
Mágoas (1919); Livro de Sóror Saudade (1923) ; Charneca em Flor (1931);
Juvenília ( 1931 ) ; Sonetos completos (1934).
Prosa: As Máscaras do destino (1931); Diário do último ano
(1981); O dominó preto (1982).
Pouco dias antes da visita da Parca, Florbela sentencia:
“ – Sou pagã e anarquista, como não poderia deixar de ser
uma pantera que se preza. Nem saúde, nem dinheiro, nem liberdade. A pantera
está enjaulada e bem enjaulada, até que a morte lhe venha cerrar os olhos “.
Ponto final!.
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