ENQUANTO A CHUVA CAI
Ao poeta José Dirceu
Vasconcelos
Domingo do pé do cachimbo na loira desposada do sol com o
céu bonito para chover. Nuvens plúmbeas com carrancas, vagueiam lentamente
engolindo os serrotes que emolduram Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção. O
rei- sol cabreiro, ainda não deu seu ar da graça, talvez receando uma vaia do
tipo Ceará – moleque: “ arrocha, negrada! “.
Roguemos a São Pedro
que providencie o maneiro pisca-pisca alumiando tudo, derrube cadeiras a granel
e abra com força as torneiras do céu fazendo jorrar o milagroso líquido
salvador. Minore, de vez, o sofrimento de uma gente que é antes de tudo forte e
temente a Deus!
“ A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto ... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como a bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh ‘alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.
Volúpia dos abandonados...
Dos sós... – ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...
Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!
A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!
Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!
E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.
É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas d’água! ”
Poema “ Enquanto a chuva cai “ de autoria do mago
pernambucano Manuel Bandeira (1886 – 1968) integrante do centenário livro “ A
Cinza das Horas “ de 1917.
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