SIMPLESMENTE, AUGUSTO
DOS ANJOS
“ Eu, filho do carbono e do amoníaco/monstro de escuridão e
rutilância ,/ sofro , desde a epigênesis da infância / a influência má dos
signos do zodíaco / profundissimamente
hipocondríaco /este ambiente me causa repugnância .../ sobe- me à boca
uma ânsia análoga à ânsia / que escapa da boca de um cardíaco / já o verme –
este operário das ruínas -/ que o sangue podre das carnificinas / come, e à
vida em geral declara guerra /ainda a espreitar meus olhos para roê- los/ e há
de deixar- me apenas os cabelos/ na frialdade inorgânica da terra ./ “
“Psicologia de Um
Vencido “, Soneto de Augusto dos Anjos.
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884 – 1914), ou
simplesmente, Augusto dos Anjos nasceu no dia 20 de abril de 1884, no Engenho
Pau D’Arco, na então Vila do Espírito Santo, hoje município de Sapé, no estado
da Paraíba, no Nordeste brasileiro. Seus pais foram Alexandre Rodrigues dos
Anjos (Bacharel em Direito) e Córdula de Carvalho dos Anjos (Sinhá Mocinha).
Suas primeiras letras foram tomadas em casa sob a orientação paterna. Em 1900
passou a frequentar o Liceu Paraibano, na capital do estado. Daí migrou para o
estado de Pernambuco quando frequentou a tradicional Faculdade de Direito do
Recife, entre 1903 e 1907, onde recebeu o diploma de Bacharel. Nesta
oportunidade tomou contato com a “ Poesia Científica “ de Martins Junior. Augusto
dos Anjos preferiu a sina do magistério lecionando Literatura Brasileira no
Liceu Pernambucano, em Recife e, posteriormente, Geografia, Corografia e
cosmografia no Ginásio Nacional, mais tarde denominado Colégio Pedro II.
Desde cedo, Augusto
dos Anjos manteve contato íntimo com o mundo dos livros embriagando-se,
intelectualmente, com figuras de peso como Herbert Spencer (1820 – 1903),
filósofo e sociólogo inglês; Ernst Haeckel (1834 – 1919), filósofo e biólogo
alemão ; Arthur Schopenhauer(1788-
1860), filósofo idealista alemão ; e Edgard Allan Poe ( 1809 – 1849 ) , poeta
americano .
Em14 de julho de 1910, Augusto dos Anjos e Esther Fialho
contraíram matrimônio. No ano seguinte (2 de fevereiro de 1911) Esther teve uma
gravidez malograda com perda fetal no curso do sexto mês. Este fatídico revés ficou
devidamente registrado num soneto de Augusto:
“ Agregado infeliz de sangue e cal/ fruto rubro de carne
agonizante/ filho da força grande fecundante /de minha brônzea trama neuronial
/que poder embriológico fatal/ destruiu, com a sinergia de um gigante /em tua
morfogênese de infante /a minha morfogênese ancestral/ porção de minha plásmica
substância /em que lugar irás passar a infância / tragicamente anônimo a feder?
/ah! Possas tu dormir, feto esquecido/ panteisticamente dissolvido/ na
noumenalidade do NÃO SER!” .
O único livro publicado por Augusto dos Anjos, “ EU “ em
1912 consta de um apanhado de sonetos, de início ignorado pela crítica e por
leitores, trajando um linguajar hermético, podendo se enquadrar tanto no Parnasianismo,
Simbolismo como no Pré- modernismo.
Augusto e Esther tiveram depois a ventura de gerar dois
filhos: Glória (1911) e Guilherme Augusto (1913). Em Leopoldina, Minas Gerais
ocorreu em 1914 o último pouso de Augusto dos Anjos quando assumiu a direção do
Grupo Escolar Ribeiro Junqueira. No dia 12 de novembro de 1914, aos 30 anos de
idade, Augusto dos Anjos voltou ao pó, misturando- se à areia das estrelas por
conta de uma pneumonia. No panteão dos
grandes nomes da poesia luso- brasileira cravou sua presença ao lado de figuras
como Bocage (1765 – 1805), Garret (1799- 1854) , Vinícius de Moraes ( 1913-
1980 ) e Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987) .
Na edição de número 46 do livro “ EU “, Drummond prega na
contra- capa:
“ Li o “ EU “ na adolescência e foi como se levasse um soco
na cara. Jamais eu vira antes, engastados decassílabos, palavras estranhas como
“ simbiose “, fenomênica ,” quimiotaxia” , “ zooplasma “ , “ intracefálica “...
E elas funcionaram bem nos versos . Ao espanto sucedeu intensa curiosidade.
Quis ler mais esse poeta diferente dos clássicos, dos românticos, dos
simbolistas, de todos os poetas que eu conhecia. A leitura do “ EU “ foi para
mim uma aventura milionária. Enriqueceu minha noção de poesia. Vi como se pode
fazer lirismo sem dramaticidade permanente, que se grava para sempre na memória
do leitor. Augusto dos Anjos continua sendo o grande caso singular da poesia
brasileira “.
Para encerrar, “ Budismo Moderno “:
“ Tome, Dr., esta tesoura, e...corte/minha singularíssima
pessoa / que importa a mim que a bicharia roa /todo o meu coração, depois da
morte? /ah! Um urubu pousou na minha sorte !/também, das diatomáceas da lagoa
/a criptógama capsula se esbroa /ao contato de bronca destra forte/dissolva-se
, portanto ,minha vida /igualmente a uma célula caída /na aberração de um óvulo
infecundo/mas o agregado abstrato das saudades/ fique batendo nas perpétuas
grades/do último verso que eu fizer no mundo “ .
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