FORTALEZA BELA E FERA
Fortaleza, a bela loira desposada do sol, de Paula Ney, hoje
desamparada; os verdes mares bravios de José de Alencar, no momento engolindo
almas; agigantada, com sirenes a clamar por socorro aos moucos ouvidos dos
nossos homens públicos. Uma lástima! Algumas megalópoles saíram do inferno
aplicando rigorosos esquemas de “ tolerância zero “ em segurança pública. Apalermados,
assistimos hoje moleques esquálidos, desdentados, menores de idade, apoiados em
leis e estatutos frouxos implantando a ordem da barbárie e do terror. Restam
aos cidadãos de bem a injusta prisão em suas celas de cimento armado, parecendo
uns “ políticos safados “ que cometeram crimes contra o patrimônio público: não
descem para as masmorras da “ Papuda “ ou das “ Pedrinhas “ e ficam a
perambular no breu das noites, feitos zumbis, fugindo aos contatos das gentes ditas
normais.
Para aplacar a saudade de uma bucólica Fortaleza de antanho,
61 poetas elaboraram 79 composições como um mimo à Cidade de Nossa Senhora de
Assunção, com o nome de Cancioneiro da Cidade de Fortaleza, no ano da 1953 sob
a direção de Artur Eduardo Benevides, de onde extraímos dois belos exemplos de
amor a esta Terra da Luz:
“ Fortaleza – cidade pequenina - / que eu conheci nos tempos
de criança /sem mendigos , sem fome, na abastança /da mesa farta , variada e
fina/ sem o avião que , no alto , ronca e dança /sem rádio ; sem o berro da
buzina do automóvel/que espanta e que assassina /a sua vida era risonha e mansa
/Fortaleza pousada sobre a areia /descalça e linda, refulgindo do alto /sob o
mago esplendor da lua cheia / Fortaleza, pequena e engraçadinha/ de saia curta,
taful , sem sobressalto /cantando o “ Dominé “ e a “ Cirandinha “ ... / Fortaleza do Meu Tempo , composição
de Gastão Justa .
“ Não tens Capibaribes ao luar / não tens ilhas defronte /
não tens pontes/ não tens ventos terríveis, minuanos / não tens brumas, montanhas,
nem fortins / és pobre, Cidade/ mas és bela /tens mistérios e muita
adolescência/se contemplo teu vulto penso em rosas/ tenho pétalas em mim se te
murmuro /quanto és mansa, e bucólica, e pura /e bela , e jovem , o’ grande flor
atlântica / plantada mais em nós do que no chão ! / Cidade das velhas serenatas
/ das doces pastorinhas e fandangos /das retretas românticas, das valsas/de
usanças que o tempo já não traz/ quem foi que sepultou teus violões / tuas
cirandas , modinhas e quermesses / tuas festas de Reis , tuas lanternas / teus
sobrados , serões e bandolins ?/ quanto sofro por ti , pois te desnudam / e te
tornam uma girl made in U.S.A. / e já não ouves os sinos que te chamam/ para
Nossa Senhora da Assunção/ Cidade de lagoas circundantes/ e de becos solitários
e cruéis !/ Lagoa de Mondubim / Lagoa de Pirocaia/ Lagoa de Maraponga / Lagoa
da Onça / Lagoa Feia / Lagoa do Tauape ! / na Praça do Ferreira – desvairada -
/ teu coração se encontra palpitando / e sofre as tuas dores e retém / a
memória gentil da tua infância /Cidade essencial / cidade marítima / eu sempre
te amei / tenho versos que um dia cantarei /às tuas praias amplas , ao teu mar
/ onde pousam jangadas e canções / Praia de Iracema /Praia do Mucuripe /Praia
do Meireles / Volta da Jurema / Praia Formosa / Praia do Futuro /Praia do
Pirambu! / oh! Os teus bairros tão doces e tranquilos /que recordam as canções
dos seresteiros /Aldeota, Benfica, Alagadiço /Piedade, Prainha , Navegantes /Jacarecanga , Porangabussu !cidade
de meus filhos, minhas lutas /meus exílios , desejos , solidões /cidade onde é
possível o amor de outrora /chegar ao nosso olhar, claro e esquivo / e em nós
ser como foi nos velhos tempos / profundo é o meu amor , oh ! Fortaleza/ e
grávido de ti, tão vasto como/ teus céus escampos em setembro /em ti me guardo,
guarda-te em mim/ minha pobre edelweiss, barco ancorado/minha guitarra se eu fora
português! / Canto de Amor a
Fortaleza, poema de Artur Eduardo Benevides.
Nenhum comentário:
Postar um comentário