domingo, 9 de abril de 2017

O APANHADOR DE POEMAS / POEMINHA DO CONTRA


O velho bibliófilo cabeça-chata, de juízo, vista e passos curtos, adentra naquela catedral de livros usados no centro da cidade de Fortaleza. Puxa do bolso de sua casaca puída uma lista de “ amigos de papel” a serem buscados em meio ao anárquico ambiente. Ali vagueiam senhores portando máscaras de proteção contra alergias e uns dois bichanos a se esfregarem pachorrentos nos clientes. Ouve- se não raro, um perdido espirro, logo acompanhado de “ – saúde! ” 

É o Pneuma (espírito vital) a fugir do corpo e logo sendo chamado de volta.
Naquela confraria habita todo tipo de autor: o clássico, engalanado em capa dura, circunspecto, tendo ao lado uma brochura humilde, que mal se põe em pé, de um autor anônimo, mirrado, fruto de uma teimosia instigada por amigos ou familiares. Nos fundos da comprida casa, um senhor de idade, meio cego, curva- se sobre um velho livro, operando-lhe as entranhas, tentando a todo custo um milagre: recompor e dar a vida àquela joia de papel. 

Nas prateleiras, em meio aos livros que se amparam uns nos outros para não cair, como na vida real, um exemplar chama a atenção do velho garimpeiro: o poeta Mário Quintana (1906 – 1994), em volume único, obra completa e em bom estado de conservação. Autêntico ouro em meio ao cascalho:

O Apanhador de Poemas:

“ Um poema sempre me pareceu algo assim como um pássaro engaiolado...E que, para apanhá-lo vivo, era preciso um trabalho infinito. Um poema não se pega a tiro. Nem a laço. Nem a grito. Não, o grito é o que mais o espanta. Um poema, é preciso espera-lo com paciência e silenciosamente como um gato. É preciso que lhe armemos ciladas; com rimas, que são o seu alpiste; há poemas que só se deixam apanhar com isto. 

Outros que só ficam presos atrás das quatorze grades de um soneto. É preciso esperá-lo com assonâncias e aliterações, para que ele cante. É preciso recebê-lo com ritmo, para que ele comece a dançar. E há os poemas livres, imprevisíveis. Para esses é preciso inventar, na hora, armadilhas imprevistas”.

Poeminha do Contra:
“ Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...

Eu passarinho”.

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