terça-feira, 10 de abril de 2018

O Rio Jaguaribe no Ceará tinto de sangue


"O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta /por onde escorrre e se perde/o sangue do Ceará /o mar não se tinge de vermelho /porque o sangue do Ceará é azul.../todo plasma, toda hemoglobina /na sístole dos invernos vai perder - se no mar/há milênios. ..Desde que se rompeu a túnica das rochas/na explosão dos cataclismos /ou na erosão secular do calcário, do gnaise, do quartzo /da sílica natural /e a ruptura dos açudes. ../ quanto tempo perdido /e o pobre doente - o Ceará -anemiado/esquelético, pedinte e desnutrido /-a vasta rede capilar a queimar - se na soalheira - é o gigante com a artéria aberta /resistindo e morrendo /resistindo e morrendo /resistindo e morrendo /morrendo e resistindo .../(foi a espada de um deus que te feriu a carótida /a ti - Fênix do Brasil /(e o teu cérebro ainda pensa /e o teu coração ainda pulsa/e o teu pulmão ainda respira /e o teu braço ainda constrói /e o teu pé ainda emigra/e ainda povoa. ../as células mirradas do Ceará /quando o céu lhe dá a injeção de soro dos aguaceiros /as células mirradas do Ceará intumescem o protoplasma /(como os seus capuchinhos de algodão )/e nucleiam-se de verde /- é a cromatina dos roçados no sertão /(há se ela alcançasse um coágulo da rocha! /e o sangue a correr e ninguém o estanca. ../homens da pátria ouvi : salvai o Ceará !/quem é o presidente da República? /depressa, uma pinça hemostática em Orós /homens - o Ceará está morrendo /está esvaindo - se em sangue. ../ninguém o escuta, ninguém o escuta /e o gigante dobra a cabeça sobre o peito enorme /e o gigante curva os joelhos no pó /da terra calcinada /e -nos últimos arrancos /vai morrendo e resistindo. .. morrendo e resistindo. ...morrendo e resistindo. .."

Poema épico da autoria de Demócrito Rocha ( 1888-1943 ), O Rio Jaguaribe.

Nos tempos hodiernos , sem se utilizar qualquer metáfora, nosso sofrido Ceará se esvai em sangue de sua gente , outrora pacata , na Messejana, na Gentilândia, na Avenida da Universidade, no entorno do Estádio Castelão. Onde vamos parar?
Ai de ti, Ceará, cadê a " pinça hemostática?

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