sexta-feira, 24 de novembro de 2017

PRÉ-CARNAVAL DE 1968 COM UMA BALZAQUIANA




A Praça do Ferreira, mimosa, regurgitava de gente naquela noite quente de fevereiro de 1968 para viver um pré-carnaval com a apresentação de um desfile dos maracatus – Ás de Ouro; Ás de Espadas; Ás de Paus, e, Leão Coroado. Um jovem de dezoito anos, fizera a trilha a pé desde sua residência na Rua Domingos Olímpio até o centro da cidade para ver o rodopio de derviches daquelas negras baianas exibindo seus vestidos rendados, carregando um cesto de frutas à cabeça, com um sorriso Colgate nos cheios lábios escarlates e modulando um canto dolente:

“Eu vou, eu vou e você não vai apanhar macaúba no meu balaio; apanhar macaúba no meu balaio, eu vou, eu vou e você não vai”, ao compasso de robustos triângulos e de bumbos gigantescos.

Quando o jovem deu por si, um braço fofo já envolvia amorosamente sua cintura. Era de uma senhora madura, digamos, uma moldura balzaquiana, de olhar faiscante e negro, de seios pétreos a lhes cutucar as entranhas e exalando um inocente sorriso. O jovem em apreço que há pouco colocara os pés nos caminhos da maturidade cronológica no dia dos reis, gostou daquele amplexo morno e quieto. Nenhuma palavra fora trocada por ambos. Aquela flecha do Cupido surgida do nada carimbara o pescoço do perplexo moço casmurro com um cheiro, e não, com um beijo, para lá de gostoso, deflagrando na hora uma ereção imediata dos pelos numa faísca gostosa a percorrer todo o corpo do jovem boquiaberto.

“Não quero broto/não quero, não quero, não/não sou garoto para viver só de ilusão/sete dias na semana/eu preciso ver minha balzaquiana/o francês sabe escolher/por isso ele não quer qualquer mulher/papai Balzac já dizia/Paris inteiro respondia/Balzac acertou na pinta/mulher só depois dos trinta” Composição Balzaquiana da autoria de Nássara e Wilson Batista.

Até aquela oportunidade o imberbe jovem batera bola nos jogos preliminares nas incertezas do amor com gentis domésticas do seu bairro e adjacências.

“- E aí, bonitão, com esta pinta de” rabo de burro”, você faz o que na vida? perguntou a novel parceira.



“- Estou iniciando um curso longo para aprender a pastorear almas por esse mundo afora” respondeu meio sem graça o assustado mancebo, com um gostinho de quero mais nos lábios.

“- Pois eu sou uma viúva de marido vivo, perdida num túnel escuro e frio, desamparada nas artimanhas do amor”

Outros encontros furtivos aconteceram entre os dois pombinhos até que um dia aquela criatura agradável sumiu da mesma maneira que chegou, sem ver nem para que, engolida pelo breu da noite. O aprendiz de pastor passou por maus bocados em noites insones, inquieto com febre interna, quase um alucinado naquela carência de um colo morno, aconchegante e maduro. Certa feita aquele pastor de almas passou na frente da casa da balzaquiana e viu com pesar uma placa indicando “Aluga-se este imóvel”. Uma vizinha que varria a calçada falou para o moço que disse, blefando, de seu interesse naquele negócio. A inquilina partira, de súbito, às caladas da noite, carregada à força pelo marido, que fugira da Cadeia Pública onde cumpria pena de doze anos por ter degolado um amante daquela bela senhora, sua digníssima esposa. Dizem que o casal partira para a Amazônia em busca de paz e de ouro nos garimpos daquelas distantes paragens.

O jovem aprendiz de pastor, saiu de fininho, alisando suavemente o pescoço, prometendo jogar flechas de cupido em alvos mais maneiros, inocentes e descompromissados, para juntos beberem do néctar da vida, a simples partilha do amor e despetalando rosas, de preferência, com poucos espinhos.

“De tanto levar flechada de teu olhar/meu peito, agora/parece sabe o que/ tábua de tiro ao alvo/não tem mais onde furar/teu olhar mata mais/ que bala de carabina/que veneno estricnina/que peixeira de baiano/teu olhar mata mais que atropelamento de automóvel / mata mais que bala de revolver” Composição Tiro ao Álvaro da autoria de Adoniran Barbosa.


“Eu guardo em mim/dois corações/um que é do mar/um das paixões/um canto doce/um cheiro de temporal/eu guardo em mim/um deus, um louco, um santo/um bem, um mal/eu guardo em mim/tantas canções/de tanto mar/tantas manhãs/encanto doce/o cheiro de um vendaval/guardo em mim/o deus, o louco, o santo/o bem, o mal” Composição O Bem e o Mal da autoria de Danilo Caymmi.


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