UM PÉ DE SONHO
Sorvendo uma
cerveja, sozinho, num quiosque plantado nas alvas areias da praia do Mucuripe,
um jovem vê surgir do nada um papel na mão de uma dama. Era um teste de
gravidez - Gravindex - positivo. Findou, de pronto, aquele solitário luau ouvindo
estrelas. A felicidade batera à porta daquele casal. O jovem lívido, com a
vista borrada e engolindo o choro, rabiscou num guardanapo de papel um simples
bilhete, ditado pelo coração e endereçado a uma menina- fada.
Quem
afiançava que se tratava, de fato, de um bebê do sexo feminino?
O amor,
simplesmente, um incomensurável amor!
Quando o
boêmio desta história completou sessenta anos, recebeu de presente um quadro
onde se encontrava aquele mimo de garranchos esculpidos num guardanapo de papel
e meio amarelado pelo rigor do tempo. Era um reencontro com um passado feliz e
verdadeiro:
“Querida
filha, como uma pura epifania você surge em nossas existências, minha e de sua
mãe. É o milagre da vida, a certeza de que, quando ao pó seus pais retornarem,
sua luz votiva manterá o fio da vida em nós e por nós. A partir de agora, aí no
aconchego morno do ventre de sua mãe, todos os dias serão seus. Não irás chegar
ao mundo sob minhas mãos, como eu gostaria que fosse, mas estarei presente na
sala de parto, banhado em lágrimas puras e verdadeiras. Todos os folguedos da
infância estarão ao seu dispor: Chicote queimado, Macaca, Pega-pega e muitas
bonecas, certamente. Viajaremos em muitos mundos de fantasia num verdadeiro mar
de livros. Um dia vai desabrochar numa bela manhã de sol, sua adolescência e
novamente, juntos estaremos desfrutando um turbilhão de novos saberes.
Livremente irás escolher sua profissão como uma demanda de seu nobre coração. O
mundo será seu e a felicidade baterá suavemente à sua porta. E, claro, sempre
juntos estaremos em toda e qualquer circunstância.
Com ansiedade lhe aguardamos. Um beijo
carinhoso de seus pais e boa viagem a este maravilhoso mundo!”
Ao longo da
jornada, pelo menos, duas músicas marcaram nossos bons momentos vividos em harmonia
familiar: “O Caderno” de Toquinho e Vinícius de Moraes; e “Tocando em Frente”
de Almir Sater:
“Sou eu que
vou seguir você/do primeiro rabisco até o bê-á-bá/em todos os desenhos
coloridos vou estar/a casa, a montanha, duas nuvens no céu/e um sol a sorrir no
papel/sou eu que vou ser seu colega/seus problemas ajudar a resolver/lhe
acompanhar nas provas bimestrais, você vai ver/serei de você confidente fiel/se
seu pranto molhar meu papel/sou eu que vou ser seu amigo/vou lhe dar abrigo, se
você quiser/quando surgirem seus primeiros raios de mulher/a vida se abrirá num
feroz carrossel/e você vai rasgar meu papel/o que está escrito em mim/comigo
ficará guardado, se lhe dá prazer/a vida segue sempre em frente, o que se há de
fazer/só peço a você um favor, se puder/não me esqueça num canto qualquer”
“Ando
devagar/porque já tive pressa/e levo esse sorriso/porque já chorei demais/hoje
me sinto mais forte/mais feliz, quem sabe/só levo a certeza/de que muito pouco
sei/ou nada sei/conhecer as manhas e as manhãs/o sabor das massas/ e das
maçãs/é preciso amor/para poder pulsar/é preciso paz para poder sorrir/é
preciso chuva para florir/penso que cumprir a vida/seja
simplesmente/compreender a marcha/e ir tocando em frente/como um velho boiadeiro/levando
a boiada/eu vou tocando os dias/pela longa estrada, eu vou/estrada , eu
sou/todo mundo ama, um dia/todo mundo chora/um dia a gente chega/ e noutro vai
embora/cada um de nós compõe a sua história/cada ser em si/carrega o dom de ser
capaz/de ser feliz/”
Ponto final!
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