PARA UMA CERTA TURMA DE ESTUDANTES DA
UFC: QUANTA SAUDADE!
No final dos
anos sessenta do século passado, uma turma de estudantes universitários de
medicina de Fortaleza, no Ceará, se abeberava de um mágico e atribulado momento
da história mundial implementando um novo estilo de vida e participando de um
confronto aberto com tudo que representasse as formas autocráticas de governo.
Os tais aprendizes de Hipócrates, quase crianças, absorviam como esponjas,
modas alienígenas do tipo cabelos longos, calças faroeste com boca de sino,
estampadas blusas coloridas, cobrindo os pés com toscas chinelas de rabicho e
portando na cintura uma indefectível bolsa de couro. Isto os marmanjos, claro!
As damas, mais discretas, queimavam sutiãs, bebiam, fumavam em público e
emitiam, quando necessário, sonoros palavrões. Tudo isso sem perderem elas os
mimosos ares de princesas.
Uma pândega!
Sob as
centenárias mangueiras no pátio da escola de medicina no bairro de Rodolfo
Teófilo os alunos articulavam inocentes passeatas de surpresa no centro da
cidade para manifestações contra o governo militar vigente, com os mantras importados
de uma minúscula ilha caribenha“ o povo armado derruba a ditadura” e “ o povo
unido jamais será vencido”. Alguns estudantes aproveitavam a ida para aquelas
arenas, sabotando aulas regulares, e peregrinavam pela incipiente indústria farmacêutica
instalada na área central da cidade de Fortaleza. Dava-se, então, a busca de
amostra grátis de remédios, como, vermífugos, expectorantes, vitaminas,
antibióticos e anticoncepcionais, estes últimos, uma verdadeira coqueluche,
para dar vazão ao reinante “ faça amor, não faça guerra”.
Os
principais fornecedores de tais brindes eram os gerentes dos laboratórios
Andrômaco, Sarsa, Ciba, Roche, Geigy, Lilly, Lepetit, Squibb e Bristol, dentre
outros. Assim se conquistavam as receitas que, posteriormente, sairiam das mãos
daqueles futuros esculápios e promissores parceiros. A Big Pharma nasceria bem depois com remédios
para quase todo tipo de achaques (disfunção erétil, demências, hipertensão
arterial, diabetes, osteoporose e distúrbios do humor), tudo sob a égide de
verdadeiros gigantes multinacionais.
Na praça do
Ferreira e em seu entorno fervilhava na época uma gozosa vida boêmia com bares
e boates (Continental, Hollywood, Fascinação, Guarani, Ubirajara, City,
Império, Bar da Alegria e Monte Carlo), fazendo com que muitos daqueles futuros
filhos de Hipócrates saíssem com sacolas abarrotadas de remédios doados pelos
laboratórios
e adentrassem, como num passo de mágica, naquelas “casas- alegres” para
exercerem uma nobre missão humanitária, ofertando graciosamente, assistência
médica no período vespertino, àquelas criaturas filhas de Deus. Via de regra, na
ocasião os estudantes faziam aquela pertinente anamnese, seguindo as boas
práticas dos seus mestres de Porangabuçu e examinavam apenas as partes do corpo
que o vestido não encobria. Ponto final e tudo sob a rigorosa vigilância da “
madame” dona da boate, pondo um freio nas “clientes “ mais exibidas e nos “
doutores” mais estouvados, posto que, o ambiente ali exigia respeito.
Quando o véu
da noite cobria aquela região da cidade, acendendo as bruxuleantes luzes do
pecado, alguns daqueles estudantes de medicina voltavam, agora ao som de
açucarados boleros como “ Frenesi”, “ Beija-me Muito” e degustando uma
“cuba-libre”, para desfrutar de outras histórias, estas sim, verdadeiras aulas
de filosofia de vida, valendo mais que muitos tediosos compêndios de medicina.
Quão grandes eram aquelas pequenas e sofridas criaturas em sua dolorida confissão
íntima. A razão por que foram parar naquele dura peleja, quase sempre passava
por um romance proibido, gerando uma gravidez indesejada e findando no cruel
desprezo imposto pela rígida moral familiar reinante.
Ah, minha amada
Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, que imensa maldade fizeram perpetrar contra tua pujante vida no
centro da cidade, consumida em nome do progresso, como se denomina,
eufemisticamente, a cruel especulação imobiliária, deitando ao chão prédios inteiros
para serem transformados em estéreis estacionamentos de veículos, sufocando a
salutar e frugal vida boêmia do coração da cidade. Uma lástima!
“ Quero que
vivas só pensando em mim/e que tu sigas por eu seguir/para minha alma não fugir
de ti/beija-me com frenesi/dá-me a luz que vem do teu olhar/a inspiração de
todo meu amor/dessa ilusão cujo sabor senti/beija-me com frenesi/nas asas deste
beijo teu vai um pedaço de mim/diz-me que sentes como eu, diz o que sentes
assim/querida, perto do meu coração/encontrarás a luz do céu e o mar/e um luar
que há de brilhar por ti/beija-me com frenesi”
Adaptação da música Frenesi de autoria de Alberto Domingues.
“ Beija-me /beija-me
muito/ como se fora esta noite, a última vez/beija-me muito/que tenho medo de perder-te,
de perder-te outra vez/quero ter-te bem perto/mirar-me em teus olhos/ver-te
junto a mim/pensa que talvez amanhã/eu estarei longe/muito longe de
ti/beija-me/beija-me muito/como se fora esta noite a última vez/beija-me,
beija-me
muito/que tenho medo perder-te/perder-te outra vez/quero ter-te bem
perto/mirar-me em teus olhos/ver-te junto a mim/pensa que talvez amanhã/eu
estarei distante/muito distante de
ti/beija-me/beija-me muito/como se fosse esta noite a última vez/beija-me,
beija-me muito/que tenho medo perder-te , perder-te outra vez” Tradução livre da música Besame Mucho da
autoria de Consuelo Velázquez .
Para os
queridos irmãos, Dr. Francisco Clayrton Weyne Martins, representando os
marmanjos e, para a Dra. Mary Romero, em nome das gentis princesas da Turma 73
de Medicina UFC.
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