sábado, 12 de novembro de 2016

VOCAÇÃO DE VIEIRA


Nos idos dos anos 50 do século passado, no Colégio Castelo Branco da Arquidiocese de Fortaleza, era adotada no ensino de Português a 
“Anthologia Nacional” de Fausto Barreto e Carlos de Laet ( Livraria Francisco Alves ,1931 ).

Na primeira página constava um lembrete do maior homem de letras do Ceará, José de Alencar (1829 – 1877):

“Todo homem, orador, escritor ou poeta, todo homem que usa da palavra, não como de um meio de comunicação de suas ideias, mas como de um instrumento de trabalho... deve estudar e conhecer a fundo a força e os recursos desse elemento de sua atividade “ .

A lição inicial do livro era de autoria do prosador maranhense João Francisco Lisboa (1812 -1863), uma crônica denominada “ Vocação de Vieira “ . O padre que nos ministrava a aula sempre repetia que sonhava que daquele grupo de jovens, pelo menos um fosse possuído por um “ estalo de Vieira “ .
 Sei que daquela incubadora do ensino foram gestados médicos, advogados, engenheiros, políticos, escritores, dentre outros.  Enfim, o milagre do saber!

“Não contava bem Antônio Vieira oito anos de idade, quando em 1615 teve de acompanhar sua família para a metrópole do Brasil. Da razão desta viagem não há cabal certeza; mas presume- se que 

Cristóvão Vieira Ravasco , seu pai , viera despachado a servir algum emprego , talvez o de secretário do Estado , que depois exerceu durante toda vida seu filho Bernardo Vieira Ravasco , irmão mais novo do padre.

Mal desembarcou na Bahia, começou este a estudar os primeiros rudimentos e humanidades, frequentando as escolas dos Jesuítas, que floresciam então ali, como em toda a parte, com grande aproveitamento da mocidade.

Mostrava- se Antônio Vieira assíduo e fervoroso nos estudos, e lidava deveras por avantajar –se aos demais seus condiscípulos; mas conta- se que nos primeiros tempos, apesar da natural vivacidade que desde os mais tenros anos manifestara, não poderia fazer grandes progressos, pelo não ajudar a memória rude e pesada, e toldada de espessa nuvem.

Era o estudante grande devoto da Virgem; e um dia que, ajoelhado ante a sua imagem, e cheio do pesar e abatimento que lhe causava aquela natural incapacidade, a implorava em fervorosa oração para que o ajudasse a vencer semelhante obstáculo, de repente sentiu como um estalo e dor aguda na cabeça, que lhe pareceu que ali acabaria a vida.

Era a Virgem que sem dúvida escutara e deferia a súplica ardente e generosa; e era o véu espesso, que trazia em tão indigna escuridão aquele juvenil engenho, que num momento se rasgava e desfazia para sempre.

Guiou dali Vieira para a escola com grande alvoroço, e sentiu- se tão outro do que fora até então, que logo animosamente pediu para argumentar com os mais sabedores e adiantados.

E a todos venceu e desbancou, com estranhável assombro do mestre que bem conheceu andava naquilo grande novidade.

Assim o referem pelo menos as crônicas da Ordem; e, se a anedota não é verdadeira , é pelo menos calculada para dar uma cor romanesca e maravilhosa aos primeiros lampejos deste engenho novel , que mais tarde havia deslumbrar o mundo pelo seu extraordinário fulgor “ .


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