VOCAÇÃO DE VIEIRA
Nos idos dos anos 50 do século passado, no Colégio Castelo
Branco da Arquidiocese de Fortaleza, era adotada no ensino de Português a
“Anthologia Nacional” de Fausto Barreto e Carlos de Laet ( Livraria Francisco
Alves ,1931 ).
Na primeira página constava um lembrete do maior homem de
letras do Ceará, José de Alencar (1829 – 1877):
“Todo homem, orador, escritor ou poeta, todo homem que usa
da palavra, não como de um meio de comunicação de suas ideias, mas como de um
instrumento de trabalho... deve estudar e conhecer a fundo a força e os
recursos desse elemento de sua atividade “ .
A lição inicial do livro era de autoria do prosador maranhense
João Francisco Lisboa (1812 -1863), uma crônica denominada “ Vocação de Vieira
“ . O padre que nos ministrava a aula sempre repetia que sonhava que daquele
grupo de jovens, pelo menos um fosse possuído por um “ estalo de Vieira “ .
Sei que daquela
incubadora do ensino foram gestados médicos, advogados, engenheiros, políticos,
escritores, dentre outros. Enfim, o
milagre do saber!
“Não contava bem Antônio Vieira oito anos de idade, quando
em 1615 teve de acompanhar sua família para a metrópole do Brasil. Da razão
desta viagem não há cabal certeza; mas presume- se que
Cristóvão Vieira Ravasco
, seu pai , viera despachado a servir algum emprego , talvez o de secretário do
Estado , que depois exerceu durante toda vida seu filho Bernardo Vieira Ravasco
, irmão mais novo do padre.
Mal desembarcou na Bahia, começou este a estudar os
primeiros rudimentos e humanidades, frequentando as escolas dos Jesuítas, que
floresciam então ali, como em toda a parte, com grande aproveitamento da
mocidade.
Mostrava- se Antônio
Vieira assíduo e fervoroso nos estudos, e lidava deveras por avantajar –se aos
demais seus condiscípulos; mas conta- se que nos primeiros tempos, apesar da
natural vivacidade que desde os mais tenros anos manifestara, não poderia fazer
grandes progressos, pelo não ajudar a memória rude e pesada, e toldada de
espessa nuvem.
Era o estudante
grande devoto da Virgem; e um dia que, ajoelhado ante a sua imagem, e cheio do
pesar e abatimento que lhe causava aquela natural incapacidade, a implorava em
fervorosa oração para que o ajudasse a vencer semelhante obstáculo, de repente
sentiu como um estalo e dor aguda na cabeça, que lhe pareceu que ali acabaria a
vida.
Era a Virgem que sem dúvida escutara e deferia a súplica
ardente e generosa; e era o véu espesso, que trazia em tão indigna escuridão
aquele juvenil engenho, que num momento se rasgava e desfazia para sempre.
Guiou dali Vieira
para a escola com grande alvoroço, e sentiu- se tão outro do que fora até então,
que logo animosamente pediu para argumentar com os mais sabedores e adiantados.
E a todos venceu e desbancou, com estranhável assombro do
mestre que bem conheceu andava naquilo grande novidade.
Assim o referem pelo menos as crônicas da Ordem; e, se a
anedota não é verdadeira , é pelo menos calculada para dar uma cor romanesca e
maravilhosa aos primeiros lampejos deste engenho novel , que mais tarde havia
deslumbrar o mundo pelo seu extraordinário fulgor “ .
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